quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Universidades apoiam sistema de cotas da UnB no STF



Reitores que promovem ações afirmativas se unem para apresentar relatório aos ministros do Supremo Tribunal FederalDaiane Souza - Da Secretaria de Comunicação da UnB

Reitores das UFBA, da UFSCar, da UFPA e da UnB preparam documento que mostra os resultados positivos das ações afirmativas nas universidades. O relatório será entregue ao Supremo Tribunal Federal até 25 de novembro e vai auxiliar os ministros que julgarão o sistema de cotas da UnB até julho do ano que vem. A reserva de vagas foi questionada pelo partido Democratas (DEM) este ano .
O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, diz que essa será a chance de normatizar em todo o país a aplicação das ações afirmativas. "O julgamento no STF servirá para todos os casos. O que for decidido para a UnB, valerá em todas as universidades", afirma o reitor. Antes da decisão, o Supremo vai promover uma série de audiências públicas para debater a questão. As propostas para as discussões devem ser encaminhadas ao STF até 30 de novembro. As audiências começam em março de 2010.
Os reitores acreditam que, se unirem suas experiências, chegarão a um diagnóstico preciso, com resultados positivos das ações. “Estamos muito otimistas, pois o documento mostrará ao STF que a política de cotas não fere a Constituição”, afirma Targino de Araújo Filho, reitor da Universidade Federal de São Carlos. Ele acredita que ainda há dois aspectos polêmicos a serem debatidos: o desempenho dos cotistas e o suposto acirramento do preconceito racial nas universidades.
“Precisamos nos unir e apresentar argumentos sólidos para que o Supremo se mostre favorável a esse modelo de política”, defende Carlos Edilson de Almeida Maneschy, reitor da Universidade Federal do Pará.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) se manifesta favorável à reserva de vagas, embora respeite a autonomia de cada instituição.
Fonte: UnB Agência.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Prorrogado prazo de inscrição para participar da audiência sobre ação afirmativa em universidades públicas

Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski decidiu prorrogar por mais um mês o prazo de inscrições para a audiência pública sobre Políticas de Ação Afirmativa de Reserva de Vagas no Ensino Superior. Agora as entidades interessadas em participar da audiência poderão se inscrever até o dia 30 de novembro pelo endereço eletrônico acaoafirmativa@stf.jus.br.

A lista com as entidades inscritas e os pontos que pretendem defender na audiência será divulgada no dia 16 de dezembro deste ano. Até lá os documentos referentes à audiência pública poderão ser encaminhados para a mesma caixa postal da inscrição.

Esta é a quinta vez que Supremo Tribunal Federal abre as portas para o debate com a sociedade sobre questões ligadas ao cotidiano dos brasileiros relacionadas a ações que tramitam na Corte. Na última audiência pública, em abril deste ano, foram ouvidas autoridades dos Três Poderes e 49 especialistas em saúde, representando entidades de diversos segmentos da sociedade.

Processos em discussão

A convocação da audiência partiu do ministro Ricardo Lewandowski, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e do Recurso Extraordinário (RE) 597285 em tramitação na Corte. Ambos os processos discutem a constitucionalidade da reserva de vagas nas universidades públicas, a partir de critérios raciais – as chamadas cotas.

No edital de convocação o ministro Lewandowski esclarece que a audiência pública é importante do ponto de vista jurídico, “uma vez que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não, o uso de critérios raciais nos programas de admissão das universidades brasileiras”.
A ADPF 186 questiona atos administrativos utilizados como critérios raciais na Universidade de Brasília (UnB) para a admissão de alunos pelo sistema de reserva de vagas. Segundo a ação ajuizada pelo partido Democratas, há violação dos artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 37, 207 e 208 da Constituição Federal.

Já o RE 597285 foi interposto contra acórdão que julgou constitucional o sistema de reserva de vagas (sistema de “cotas”) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS como meio de ingresso no ensino superior. O estudante autor do recurso não foi aprovado no vestibular para o curso de Administração, embora tenha alcançado pontuação maior do que alguns candidatos admitidos no mesmo curso pelo sistema de reserva de vagas.

Veja as demais audiências públicas realizadas pelo Supremo:

Biossegurança - realizada em 20 de abril de 2007 para debater a Lei de Biossegurança (Lei 11105/05). A audiência foi convocada pelo ministro Carlos Ayres Britto, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 ajuizada pela Procuradoria Geral da República. A discussão sobre quando começa a vida do ponto de vista científico, religioso e jurídico foi destaque nessa audiência, que debateu o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas.

Anencefalia - convocada pelo ministro Marco Aurélio e teve início em 28 de agosto de 2008. Especialistas foram convidados para debater a ADPF 54, que trata da interrupção da gravidez quando comprovada a ausência de cérebro no feto. Foram vários dias de debates. De um lado estavam aqueles que defendiam a liberdade de escolha da mulher em prosseguir ou não com a gestação de um feto sem cérebro. De outro estavam aqueles que consideram a vida intocável e não admitem a interrupção da gravidez mesmo no caso de um bebê anencéfalo.

Pneus - a audiência sobre importação de pneus usados foi realizada em 27 de junho de 2008, a pedido da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, a ministra coordenou a audiência que reuniu especialistas em saúde, comércio exterior e meio ambiente. A ação foi ajuizada pela Presidência da República contra a importação por empresas brasileiras de carcaças de pneus para a fabricação de pneus reformados.

Saúde – a última audiência pública realizada no Supremo começou no dia 27 de abril deste ano e reuniu 50 especialistas entre advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do Sistema Único de Saúde. A audiência foi convocada pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes para auxiliar no julgamento dos processos de competência da Presidência do Supremo que versam sobre direito à saúde. Entre eles estão os Agravos Regimentais nas Suspensões de Liminares 47 e 64, nas Suspensões de Tutela Antecipada 36, 185, 211 e 278, e nas Suspensões de Segurança 2361, 2944, 3345 e 3355.

Transmissão ao vivo

A audiência pública será transmitida ao vivo pela TV Justiça e pela Rádio Justiça, conforme o artigo 154 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Demais emissoras interessas em retransmitir o sinal da TV ou da Rádio Justiça deverão encaminhar o pedido à Secretaria de Comunicação Social do STF.

Relato sobre cerceamento da palavra em lançamento anticotas

Maria das Graças dos Santos*

Estive hoje(13/10) no lançamento do livro "Uma gota de sangue" do Demetrio Magnoli, na Livraria Cultura, em Brasília, um local totalmente elitizado da cidade, de dificil acesso para a maioria de nós. Fiz o convite, mas poucos de nós apareceram. O auditório estava lotado, mais ou menos cem pessoas. E, lógico, uns 90% brancas brasileiras. Quando cheguei com uma amiga, o Demetrio já estava fazendo sua exposição. Fiquei surpresa com a mesa:

-Demetrio Magnoli - geografo, etc, etc, etc.;
-Roberta Kaufman - procuradora do DF;
-George Zarour – antropólogo;
-Paulo Kramer - professor da UnB, com vários processos sobre prática de racismo contra alunos da Universidade;
-Demóstenes - senador DEM/GO;
- Gabeira - deputado PV/RJ

O evento estava sendo filmado pela TV Câmara e transmitido pelo radio Band News FM.
Demetrio fez o mesmo discurso - da tentativa de racialização do Brasil, etc, etc. A procuradora Roberta veio atrás, repetindo o mesmo discurso, e procurando dar uma aula para a platéia, concluindo em tom de euforia que não tinha havido institucionalização do racismo no Brasil. O antropólogo George Zarour veio elogiando o Demetrio, com quem teve contato através do livro "Corpo da Pátria", indo para o grande geógrafo Milton Santos, que não concordava com cotas, conforme ele dizia, e o Darcy Ribeiro também não concordava, etc., etc. Paulo Kramer, que foi identificado como cientista político, é o tal professor da UnB,que tem vários processos de racismo. Afirmou que os racialistas, nós né, tinham todo o espaço na mídia, e que éramos bancados por muito dinheiro. E outras mentiras. Gabeira, que ficou o tempo todo encolhido, com as mãos juntas sobre o rosto, falou de sua juventude, e de que quando tinha 21 anos, para ele a questão de raça era uma ficção. Depois entrou na guerrilha e só veio ter contato com o tema na Europa. Foi contra a posição do Demetrio, que coloca no seu livro que o multiculturalismo divide; ele não acredita nisto, muito pelo contrário. Mas defende a mestiçagem e afirma que até a Luzia era mestiça. E que sempre apoiou o MN, e que assinou o requerimento para levar o Estatuto para discussão no plenário. Foi tipo vazelina, ficou no muro. Demóstenes afirmou que o livro dava prazer de ler. E vai no mesmo caminho do Demetrio, fala do caso jurídico do Supremo sobre se judeu é raça, do texto do Demetrio no Estadão, chegando ao ABSURDO de afirmar que as pesquisas sobre o bom resultado dos cotistas eram manipuladas. A toda fala, a platéia ia ao delírio, batendo palmas.
Até que chegou ao clímax total:
O Demetrio informa que as perguntas enviadas não poderiam ser totalmente respondidas, por falta de tempo - já que havia pressão da livraria - e começou a escolher as perguntas (como era esperado). Neste ponto uma pessoa (negro) pediu para falar e ele, ríspido como sempre, disse que não, e começou a passar as perguntas (que ele não tinha gostado, conforme dizia de forma irônica). A pessoa, de nome Joel, insistiu, e ele disse não. Neste momento vários de nós começamos a gritar, DEBATE, DEBATE, DEBATE. E ele começou a ficar nervoso e fazer com que a platéia a seu favor gritasse contra também. Neste momento se juntou ao Joel outro militante que tinha levado uma faixa com a frase DEBATE DA KU KLUX KLAN BRASILEIRA. Eles foram ficando nervosos, e o Kramer gritou: Vamos todos dar uma vaia - e a platéia dava. E pediu de novo, e a platéia novamente vaiava.
E foi juntando pessoas que davam apoio ao Joel, que insistiam para que se desse voz ao outro lado. Neste momento o Demetrio SURTOU. Afirmando que iria explicar o que estava acontecendo - que eles tinham identificado na internet um grupo do Yahoo, que tinha apenas 59 membros, coordenado por um alto funcionário do Estado brasileiro, Humberto Adami, que coordenava INVASORES para invadir os lançamentos de livros,
e que no Rio de Janeiro tinha sido formada uma milícia fascista. Pedia que fotografassem a todos nós. SURTOU totalmente. Ficava gritando mentiras como se fossem verdades, chamava os seguranças para nos retirar, foi uma confusão. Só que isto trouxe várias pessoas, muitos jovens brancos, para o nosso lado, apoiando.
E aí ele foi retirado para a mesa de autógrafos, com uma fila enorme, já que livraria já ia fechar. Ficamos até o final, conversando com várias pessoas que nos procuraram.
Então mais uma vez ele mostrou que está numa CRUZADA COVARDE de combate aos direitos do povo negro, falando mentiras, mentiras, mentiras, esperando até o momento que elas se tornem verdades. Ele realmente está fazendo o trabalho direitinho. Também está sendo bem pago, mas trabalha com prazer. Das pessoas que estavam lá só eu (Que a toda fala dele eu repetia VOCÊ MENTE, VOCÊ ESTÁ MENTINDO) participo do grupo discriminação racial. Ele e seu pessoal estão realmente nos monitorando. Já sabíamos disto. Eu acho que o Adami deveria processá-lo por calúnias irresponsáveis.

Ativista do Movimento Negro/DF*

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Somos, sim, racistas


Somos, sim, racistas
por Phydia de Athayde


As universidades têm adotado critérios distintos de políticas afirmativas e contemplado outros grupos, como índios. Mas só o benefício a negros incomoda
Em 2000, entre os 50 calouros de Direito na Universidade Federal de Sergipe, havia quatro negros, dos quais apenas dois se formariam. Ilzver de Matos Oliveira era um deles. Os quatro anos de curso não foram suficientes para que uma professora aprendesse a distinguir Ilzver de outro colega. “Ela não conseguia perceber que tínhamos um rosto peculiar e próprio, além da pele negra comum. Só depois percebi o quanto ela destruía a minha identidade e autoestima”, diz o hoje professor substituto na mesma universidade. “A discriminação no Brasil quase nunca é explícita. Somos culturalmente trabalhados para evitar conflitos.” A trajetória de Ilzver, 29 anos, teria sido como a de muitos garotos nascidos em famílias pobres. Por sorte, um tio o apadrinhou e custeou dois anos de escola particular quando ele tinha 8 anos. Aos 18, prestou vestibular para Medicina na Universidade Federal de Sergipe. Não passou. Aos 19, novo fracasso. Na terceira tentativa, optou por Direito e entrou em 18º lugar. “A primeira ação afirmativa da minha vida foi a ajuda desse tio”, diz. Formado, ele concorreria a uma bolsa de pós-graduação da Fundação Ford. Oliveira cumpria os pré-requisitos necessários e, aprovado, tornou-se mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia e em Sociologia (pela Universidade de Coimbra). Além da função na universidade federal, hoje leciona na Faculdade Pio Décimo, também em Aracaju, e milita pelos direitos dos negros em Sergipe. Em 2010, pela primeira vez a Universidade Federal de Sergipe reservará metade de suas vagas para alunos vindos do sistema público de ensino. Destas, 70% serão destinadas aos que se declararem negros, pardos ou indígenas. Além disso, em cada curso haverá uma vaga para portadores de necessidades especiais. O programa de ação afirmativa foi aprovado pelo Conselho da universidade e ficará em vigor durante dez anos. Assim tem sido até hoje nas instituições públicas de ensino superior, onde os conselhos de ensino discutem os termos e aprovam o sistema de cotas – ou de bonificação – para grupos desfavorecidos. Facilitar o acesso a quem tem menos condições é o cerne das ações afirmativas. Nos últimos 14 meses, o total de universidades que adotam algum tipo de ação afirmativa saltou de 69 para 93. Dentre elas, as que utilizavam algum recorte racial passaram de 55 para 67. Por recorte racial entenda-se a ação afirmativa dirigida não apenas a negros, mas também a indígenas (estranha e providencialmente suprimidos do debate “racial” das cotas). Este levantamento, atualizado até agosto de 2009, é resultado do trabalho de grupos da UERJ, da PUC-Rio, da Universidade de Brasília (UnB) e do CNPq, que monitoram as ações afirmativas no País. João Feres Junior, coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, ligado ao Iuperj, detalhou ainda mais quais são e como se dividem os critérios das ações afirmativas nas universidades brasileiras (quadro à página 36). “Alguns programas têm por objetivo a promoção de somente um grupo de pessoas desfavorecidas, outros beneficiam dois, três, quatro ou até cinco categorias diferentes. E as categorias são também de natureza heterogênea: etnia, raça ou cor da pele, origem regional, renda e educação pública”, comenta. Em meio a tantos critérios, moldados pelas características próprias dos locais onde estão essas universidades, um único aspecto tem sido capaz de, sozinho, dividir a comunidade acadêmica, gerar discursos inflamados, acirrar ideologias e ser questionado na Justiça: a identificação dos negros entre os beneficiados. Este é o ponto central da ação movida pelo DEM, o ex-PFL. O DEM quer que a Justiça proíba a matrícula dos alunos que entraram usando as cotas na UnB (a instituição usa apenas o critério etnorracial) e, mais que isso, declarar inconstitucionais quaisquer iniciativas que utilizem o critério de raça negra para conceder qualquer tipo de benefício. A advogada Roberta Kaufmann, autora da ação, disse ter procurado diversos partidos políticos até encontrar eco a sua causa. Pupila de Gilmar Mendes, foi orientada pelo próprio presidente do Supremo Tribunal Federal no mestrado em que questiona a necessidade de ações afirmativas no Brasil. Conclui que é melhor ficar tudo como está. Pelo menos, no que diz respeito aos negros. Pobres, argumenta, ainda poderiam receber algum auxílio. O presidente do STF redigiu a apresentação do livro de Roberta, que trabalha no Instituto de Direito Público (IDP), do qual Mendes é sócio. Apesar de ter negado a suspensão das matrículas dos cotistas, Mendes elogiou o trabalho da pupila e, em seu despacho, indicou concordar com a tese do DEM. O próximo passo será a discussão, em plenário, do mérito da ação, que dificilmente ocorrerá neste ano. “Há um descompasso entre a prática das ações afirmativas e o estardalhaço quanto a elas na mídia e em algumas instâncias da Justiça”, avalia Fúlvia Rosemberg, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e responsável pelo programa de bolsas de pós-graduação da Fundação Ford. “O Brasil oferece acesso preferencial e benefícios a muitos grupos, mas esperneia-se nas universidades públicas porque são um reduto das elites.” No debate contra ou a favor das cotas para negros, diz a pesquisadora, não se discute o racismo de hostilidade e ofensas, mas um processo sutil de discriminação baseada em desigualdades com base étnica e social. Um padrão de segregação racial informal, mediado pelo nível socioeconômico. Entre os 25 mil alunos da UnB, há 3.225 cotistas. No vestibular, 20% das vagas são destinadas a negros, independentemente de terem vindo de escolas públicas ou privadas, que concorrem entre si. Como em todas as demais universidades, a adesão às cotas é voluntária. “Em alguns cursos, a nota de corte dos cotistas é mais alta que a dos demais e a maioria é de baixa renda. Para a UnB, as cotas são um ato político”, defende o professor de antropologia José Jorge de Carvalho, que ajudou a implantar as cotas na universidade. Em termos de desempenho acadêmico, não há grande diferença no rendimento anual dos alunos da UnB em geral. Na Universidade Federal da Bahia, onde as cotas foram criadas em 2005, os alunos negros já representam 75% do total. A Unicamp tem uma experiência diferente. Não existem cotas e, sim, bônus na pontuação do vestibular. Numa prova que vale 500 pontos, alunos oriundos da escola pública ganham 30 e se forem negros, mais 10 pontos. A ideia surgiu da observação do desempenho desses alunos na vida acadêmica. “Os pontos de bônus apenas corrigem as distorções do vestibular. Tornam mais competitivos os alunos que, lá na frente, terão melhor desempenho”, explica Leandro Tessler, assessor da reitoria. Em mais da metade dos cursos, os alunos que receberam os bônus têm médias melhores. “É importante unir inclusão social a desempenho acadêmico. Tudo o que eu não quero é uma lei me obrigando a implantar cotas, pois elas não consideram as demandas dos cursos.” Como a experiências são recentes, ainda é cedo para dizer qual será o futuro das ações afirmativas no País. Nos Estados Unidos, duraram cerca de 50 anos. Até hoje é legal o uso da etnia como critério para ações afirmativas, mas desde 1976 não há mais cotas nas universidades, ainda que a raça possa ser considerada na seleção. Na Califórnia, desde 2003 os bônus são analisados caso a caso. “As cotas têm o fator positivo de dar um tratamento de choque ao forçar a sociedade a pensar em um tema real, a discriminação e o racismo. Mas não deixam de ser uma forma de discriminação, mesmo que positiva”, ressalva o educador e psicólogo da USP, Yves de La Taille. “É sempre delicado separar as pessoas pelo que for, fere a ideia de igualdade, por isso as cotas poderão gerar inclusão ou reforçar a discriminação.” Para além dos corredores das universidades, há outra mudança em curso no Brasil no que diz respeito à raça e cor. É o que defende o pesquisador do Ipea e do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade da UFRJ, Sergei Soares. Ele analisou recortes de população da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, e notou que, entre 1996 e 2001, começou um processo de mudança em como as pessoas se veem e como se declaram para os pesquisadores (quadro à página 35). “Elas passam a ter menos vergonha de dizer que são negras. Isso antecede as cotas e continua até hoje.” Soares argumenta que o impacto numérico das cotas é muito pouco relevante na população brasileira, comparado ao do ProUni, o programa federal que dá isenção fiscal a faculdades privadas que oferecerem bolsas a estudantes de baixa renda inscritos no programa. Para o ministro da Secretaria Especial de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, Edson Santos, os principais temores daqueles que se diziam contras as cotas nas universidades caíram por terra. “Não caiu o nível da produção acadêmica, não gerou confrontos nem conflitos de raça, e não há desvantagem para os não-negros, pois as cotas são sociais, com um recorte racial.” Antes de chegar ao STF, a Justiça dos Estados onde há cotas tem lidado com questionamentos. Muitas vezes, alunos alegam ter sido injustiçados ao perder a vaga para um cotista. Um levantamento publicado no Estado de S.Paulo mostrou que na maioria dos casos o Judiciário tende a rejeitar as alegações e a considerar o sistema constitucional. Exceções têm ocorrido no Rio Grande do Sul, onde o critério de renda tem dado vitórias aos opositores da ação afirmativa.
Fonte: Revista Carta na Escola

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nova África - Estréia na TV Brasil


Internacionalmente, a imagem da África oscila entre estereótipos como "o continente perdido" e metáforas como o "coração das trevas" de que fala Joseph Conrad - uma região alijada do chamado desenvolvimento capitalista, devastada pela peste, miséria e demais efeitos dos séculos de exploração colonial, habitada por populações cuja sobrevivência dependeria de campanhas humanitárias.

Para o Brasil, apesar de toda a imensa herança que, como elemento formador - e a partir do legado cruel da escravidão -, nos deixou, ela continua sendo um grande enigma. É precisamente esse enigma que a série Nova África, em exibição a partir do próximo dia 25, todas as sextas-feiras, às 22hs, na TV Brasil, tenta desvelar.

Dirigida pelo jornalista e blogueiro Luiz Carlos Azenha e por Henry Daniel Ajl, a série se propõe a empreender uma "jornada de descoberta", inédita na TV brasileira, pelo continente africano, revelando-o em sua diversidade, para além dos tais estereótipos imperialistas, com uma atenção especial a seus povos e culturas e à capilaridade de suas relações com o Brasil.
Primeiro programa enfoca Moçambique
Essa jornada começa em pleno mar, que a um tempo une e separa Brasil e África e ocupa um lugar central no imaginário artístico de boa parte da produção desses dois gigantes periféricos tão perto e tão longe entre si. Um barco navega no Oceano índico, que separa o continente africano da ilha de Moçambique, tema do primeiro programa da série de 26 episódios produzida pela Baboon Filmes, que venceu edital público da TV Brasil.

A estratégia narrativa desenhada pelo roteiro permite, a um tempo, retratar a África a partir da perspectiva dos africanos - evitando abordagens condicionadas por um vício imperialista que, como aponta o escritor moçambicano Mia Couto, tem produzido uma imagem falsa do continente - e garimpar os veios de ligação da cultura africana com a brasileira. A primeira operação é propiciada não apenas por entrevistas que evitam as fontes oficiais e interagem da forma mais espontânea possível com o interlocutor, mas por um olhar atento, cúmplice (imerso, e não de fora) ao modo de vida nos países percorridos.

Já a ligação do continente com o Brasil é uma teia tecida de forma sutil e intermitente, num primeiro nível através da repórter Aline Midlej, que já no episódio inicial, em solo africano, declara: "Como muitos brasileiros, tenho dúvidas sobre minhas raízes. Sei que alguns de meus antepassados familiares saíram daqui, e é tudo. É como se minha história familiar se perdesse na imensidão do continente". E, enquanto imagens em sucessão mostram cenas de um cotidiano que bem poderíamos reconhecer como o de muitas pessoas no Brasil - mas que não deixam de ter um quê especial - a ligação com o continente deixa de se dar a partir da subjetividade da repórter e se anuncia coletiva: "mas qualquer um é capaz de reconhecer esse ritmo, esses sorrisos, esse jeito de ser".

Num segundo e mais explícito nível, a ligação África-Brasil é objetivamente tematizada pela abordagem narrativa. No primeiro episódio, por exemplo, isso se dá tanto através de uma reconstituição "subjetiva" da chegada à Ilha de Moçambique do navio Nossa Senhora da Conceição, que em 1792 levou sete dos "inconfidentes" mineiros - cujas penas capitais foram comutadas por degredo em colônias portuguesas. Entre eles, Tomás Antônio Gonzaga, o autor de Marília de Dirceu, que prosperaria em terras africanas. Por vezes, o dualismo África-Brasil é superado pela evidência de uma cultura pan-portuguesa, como na ligação entre Camões (que morou em Moçambique, numa casa semi-arruinada visitada pelo documentário) e a poética luso-brasileira. Mas o momento climático do primeiro episódio se dá através do relato emocionado de uma moçambicana de sua relação com as novelas brasileiras.

Assim, evidencia-se que mais do que o continente em si, são as mulheres e os homens africanos e a cultura - na acepção ampla do termo - que produzem o centro do interesse de Nova África. O documentário, desse modo, não apenas possibilita o contato com uma realidade sócio-cultural da qual a grande mídia nos mantém afastados, mas o faz em grande estilo: com imagens belas mas jamais folclóricas, conteúdo rico em sua diversidade e curiosidade antropológica. Como o demonstra o relato de Conceição Oliveira, que prestou consultora de História à produção:

"No segundo programa, no interior de Moçambique, encontramos a professora Diamantina embaixo de um cajueiro. Era sábado, dia de entrega de material. A cena é fabulosa, passávamos pela estrada e vimos uma roda imensa de crianças ao redor do cajueiro, protegidas do sol pela copa da árvore. Ela dá aula sozinha para 360 alunos em condições distantes da ideal - e não precisa dar um grito para ter atenção. Foi uma lição de vida para todos... Você vai se emocionar, as crianças cantaram lindamente para nós, chorei. Aliás, as crianças de Moçambique me emocionaram sempre".
Excelência técnica e imersão emocional
A direção de fotografia da série (Markus Bruno) não pode ser considerada menos do que primorosa: gravações tecnicamente bem-resolvidas, mas feitas no calor da hora, no melhor estilo jornalístico, combinam-se a tomadas que evidenciam um cuidado extremo não apenas com angulações, movimentos de câmera e composições de quadro, mas em trabalhar a luz - no mais das vezes intensa e natural - de modo a realçar o universo multicolorido do continente sem folclorizá-lo.

Tais imagens são trabalhadas por uma montagem que é ágil sem jamais ser neurótica e "videoclipada", como ora em voga: respira, tem ritmo; não se furta a compor mosaicos com imagens em profusão, mas respeita a relação com o objeto retratado, não hesitando em se deter em determinada tomada por um tempo mais longo, se conveniente. E, embora a ficha técnica não elenque sound design ou montagem de som entre seus quesitos, o som é tratado com especial atenção, seja em relação à imagem, como elemento de condução da narrativa ou exercendo a função de realçar a riqueza musical da África. Trata-se de um aspecto técnico tratado com um apuro raro de se observar em produções jornalístico/documentais da TV brasileira.

Desnecessário dizer que as manifestações sonoras retratadas são, literalmente, um show à parte - valorizado, no caso, pela trilha sonora e pela mixagem de Rafael Gallo. É na música e na dança, mais do que em qualquer outra arte, que a excepcional aptidão artística dos africanos se evidencializa, como manifestação de uma alegria que não sem frequência contrasta com a escassez material em volta:

"Voltei com a sensação de que se há um continente onde seus povos são sinônimo de resistência é o africano. Foi uma das experiências mais marcantes da minha vida como pessoa, estudiosa do assunto, como mulher - afirma Conceição, que promete postar em seu blog algumas histórias sobre a empreitada e "pôr no ar algumas fotos dos sorrisos mais lindos que vi na vida" (o primeiro texto já esta lá, confira).

Um tema tão raras vezes visto nas telas brasileiras, tratado com tamanha sensibilidade e alto grau de excelência técnica, prova a que veio uma TV pública que foi injusta e impiedosamente combatida por certos setores da mídia e pelas penas de aluguel a seu serviço. Pois, caro(a) leitor(a), não se deixe iludir: nenhum canal comercial ousaria produzir uma série com tamanha qualidade, que se estendesse por tanto tempo e sobre um assunto sem apelo comercial para os grandes anunciantes - porém, como a própria série demonstra, essencial para uma melhor compreensão não apenas da África e dos africanos, mas, através dela, do que somos nós: é a TV pública brasileira dizendo a que veio.

Municípios discutem Plano Nacional de Educação para as Relações Étnicorraciais


Relatos de experiências, discussão sobre as responsabilidades de cada segmento na implementação da Lei Federal nº. 10.639/03, que determina o estudo da cultura dos afrodescendentes no currículo das escolas, a apresentação do Plano Nacional de Educação para as Relações Étnicorraciais. Estes foram os objetivos do seminário realizado em Maceió.
O evento reuniu participantes de mais de 40 municípios alagoanos, numa iniciativa do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnicorracial, que é coordenado pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (SEE), através da Gerência de Educação Étnico-Racial e Gênero.
Segundo o palestrante e professor mestre da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), Clébio Araújo, o foco principal da palestra ministrada por ele foi o trabalho, a identidade nacional e o racismo. "Fizemos uma análise do processo de formação do povo e da nação brasileira. Procuramos demonstrar quais são os lugares reservados às minorias étnicas. Além disso, procuramos desvendar o mito da democracia racial através das contradições desse mito e as desigualdades que perpassam os diferentes dentro do que se chama democracia racial", informou.
Já o secretário de Educação de Joaquim Gomes, Mário José da Silva, destacou que este seminário foi de fundamental importância, uma vez que o negro ficou durante anos relegado ao patamar do esquecimento. "No momento em que se cria uma lei para tentar rever esse esquecimento é preciso comemorar. A partir de agora, o município de Joaquim Gomes irá tratar com mais cuidado e atenção a temática étnicorracial", assegurou.
Por fim, o palestrante Élcio Verçosa destacou que, felizmente, por pressão dos movimentos sociais, principalmente, o Movimento Negro, a temática étnicorracial está consubstanciada em lei. "O Brasil é um país mestiço. Isso não pode ser escondido e nem negligenciado pela escola. O povo negro deu uma contribuição enorme para que o país atingisse o patamar de desenvolvimento que possui. Povos e culturas precisam se articular e se respeitar", complementou o educador.


Fonte: Alemtemporeal

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A Câmara dos Deputados aprovou o Estatuto da Igualdade Racial


BRASÍLIA - A Câmara aprovou nesta quarta-feira o Estatuto da Igualdade Racial, que vem sendo discutido no Congresso desde 2003. Por acordo entre governo e oposição, foram retirados os pontos mais polêmicos do texto original como a criação de cotas para negros nas universidades federais, um percentual que obriga atores e figurantes afrodescentes em programas de TV e a titulação de terras quilombolas.
O deputado Daniel Feliciano (PDT-BA) acusou os colegas de aprovarem o estatuto desidratado, com poucos efeitos práticos para a população negra.
" Esse relatório suprime a essência de muitas coisas que já haviam sido conquistadas em anos de luta "
O acordo manteve a criação de cota para candidatos negros nas eleições, mas reduziu esse percentual de 30% para 10%. Já as cotas na TV foram eliminadas, e os artigos que instituíam a reserva de vagas no ensino superior foram substituídos por um texto genérico, que não fixa prazos ou percentuais. O relatório manteve a promessa, a ser regulamentada, de incentivos fiscais para empresas com 20% de trabalhadores negros.
O presidente da Comissão especial, deputado Carlos Santana (PT-RJ) minimizou as críticas e classificou a aprovação de vitória histórica.
- Ao aprovar o estatuto estamos reconhecendo que há discriminação racial no Brasil. Nós não recuamos.
O deputado Onix Lorenzoni (DEM-RS) elogiou o texto aprovado.
- O DEM lutou para que o estatuto fosse mestiço como é o Brasil. Não há espaço para racionalização ou para uma nação bicolor.
O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, disse que a Câmara aprovou o texto que era possível.
- O estatuto foi possível diante da correlação de forças do Congresso. O maior avanço é que ele não vai gerar conflitos porque os partidos estão unidos em torno do mesmo texto - disse o ministro.
Com a aprovação do relatório da Comissão Especial, o projeto deve seguir diretamente para o Senado. A intenção é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancione o estatuto no dia da Consciência Negra, dia 20 de novembro.
O texto foi aprovado em clima de festa, com batucada promovida por militantes com roupas e turbantes afro. Os deputados esqueceram o protocolo e votaram de pé. Depois, cantaram de mãos dadas o samba "Sorriso negro", gravado por dona Ivone Lara.
Tramita na CCJ do Senado projeto que estabelece sistema de cotas nas universidades federais. O sistema prevê destinar 50% das vagas a alunos das escolas públicas com subcota racial. Essa subcota segue os critérios do IBGE. Ou seja, depende do número de negros na população do estado. Onde há 70% de negros, 70% das vagas destinadas para estudantes da rede pública devem ir para negros.
Fonte: O Globo

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Negros podem dirigir carros de luxo?







Negros podem dirigir carros de luxo?


Em Debate
Fonte: Global Voices Portugues -

Este é um artigo que foi traduzido para o inglês e colocado no blog Adventures of a Gringa (as aventuras de uma Gringa) e que pode ser lido no original neste link

Nas últimas semanas de agosto, a discussão sobre o racismo e preconceito na sociedade brasileira foi trazida à tona por um evento que causou um sentimento de revolta por todo o país. Januário Alves de Santana, um homem negro de 39 anos foi espancado pelos seguranças de uma das maiores lojas de departamento no Brasil enquanto esperava por sua esposa e seus filhos no estacionamento. Ele foi acusado de tentar roubar seu próprio carro. Os seguranças alegaram que, sendo Januário um homem negro, ele não teria condições de possuir um Ford EcoSport.
Rachel Glickhouse, em Adventures of a Gringa [Aventuras de uma Gringa, en], descreve precisamente o decorrer dos eventos do dia 07 de agosto como contado por Januário. Ela diz:
"Standing outside of the car, he noticed more suspicious men approaching him. Then one-who was actually a security guard-approached him and took out a gun. He attacked Januário without identifying himself, and Januário didn't know if it was a mugger or a cop. While they struggled, passersby called for help, and Januário thought he was saved. Several security guards from Carrefour approached, and he explained that it was a misunderstanding-he was not in fact trying to steal the motorcycle nearby. The security guards grabbed him and took him inside to a small room to "work out" what had happened. "So," they said, "you stole an EcoSport and were trying to take a motorcycle, too?The five security guards then proceeded to beat Januário senseless, in what the original report called "a torture session," hitting, punching, headbutting, and pistol-whipping him, knocking out his teeth and leaving him bleeding heavily. Januário says he tried to explain that the car was his, and that his baby daughter was inside while his family was shopping. His attackers ignored him. "Shut up, n*****. If you don't shut up, I'll break every bone in your body," one of them yelled. They laughed when he insisted it was his car. The beating lasted around twenty minutes, before the police arrived".




"Esperando fora do carro, ele avistou mais homens suspeitos se aproximando. Então um dos homens - que na verdade eram seguranças - aproximaram-se dele e tiraram uma arma. Ele atacou Januário sem se identificar, e Januário não sabia se o tal homem era um ladrão ou um policial. Enquanto brigavam, pessoas que passavam por ali pediram ajuda, e Januário achou que ele estava salvo. Vários seguranças do Carrefour se aproximaram, e ele explicou o mal-entendido - que ele não tentou roubar a motocicleta próxima a ele. Os seguranças o agarraram e o levaram a uma pequena sala para "resolver" o que tinha acontecido. "Então", eles disseram, "você roubou um EcoSport e tentou roubar uma motocicleta também?"Os cinco seguranças então continuaram a golpear o Januário sem sentido, o que o relatório original chamou de "sessão e tortura," batendo, socando, cabeceando, e dando coronhadas nele, acertando seus dentes e o deixando sangrando bastante. Januário disse que tentou explicar que o carro era seu, e que sua filha estava dentro do carro enquanto sua família fazia as compras. Os agressores o ignoraram. "Cale a boca, pr***. Se focê não calar a boca, vou quebrar todos os ossos do seu corpo," um deles disse. Eles riram quando Januário insistiu que o carro era dele. O espancamento durou em torno de 20 minutos, antes da polícia chegar."

E continua a explicar, ao dizer que "a tortura ainda não tinha acabado", até mesmo após a chegada da polícia:




"One of the military policemen, by the name of Pina, didn't buy Januário's "story." "You look like you've been in jail a couple of times. Come on, fess up, it's ok," the police officer said. Another police officer didn't believe he was a security guard, and started quizzing him about security rules. Finally, the police went to Januário's car and confirmed it did in fact belong to him and his wife. His family was there, shocked to see him bleeding with cracked teeth, and his daughter was still asleep in the car."




"Um dos oficiais de polícia, conhecido como Pina, não acreditou na "história" do Januário. "Você deve ter duas passagens na cadeia. Vamos lá, confessa, ta?" o oficial disse. Um outro policial não acreditou que Januário era de fato segurança, e começou a questioná-lo sobre regras e segurança. Finalmente, os policiais foram até o carro de Januário e conformaram que, de fato, o carro pertence a ele e sua esposa. Sua família estava lá, chocada ao vê-lo sangrando com os dendes quebrados, e sua filha continuava dormindo no carro."


A polícia deixou Januário sem oferecer ajuda ou chamar uma ambulância. Ao ser levado ao hospital por sua família, Januário foi tratado por choques e lacerações. Desde então, ele já perdeu 8 kg, sofre de insônia, não pôde voltar ao trabalho, e, na última quinta-feira, foi operado para corrigir uma fratura óssea na face. A família registrou queixa com a polícia da região, e de acordo com a versão policial, seu espancamento foi consequência de um "tumulto" e "briga entre alguns clientes". O Carrefour emitiu uma nota lamentando o mal-acontecido e dizendo que vai cooperar com as investigações. Januário planeja processar ambos, tanto o supermercado quando o Estado de São Paulo, e vender o carro que ainda paga as prestações de R$789, divididas em 72 vezes.
Na medida em que o caso obteve grande repercussão por todo o país, a maioria das pessoas simpatizou com Januário. O blog Censurado aponta muitos outros casos de preconceito contra negros cometidos pela segurança dessa mesma loja de departamentos, e ironicamente pergunta aos seus leitores:

Queria um conselho dos meus leitores. Se um dia eu precisar comprar, sei lá, um shampoo no Carrefour, devo levar um amigo branco junto comigo?
Maria Frô replicou a notícia original do AfroPress em seu blog, adicionando um título diferente à notícia que parafraseia o livro “Não Somos Racistas” do jornalista Ali Kamel. O título do post é:
É, segundo Kamel, não somos racistas. Só quase assassinos.
O blog Pão e Rosas repudiou veementemente o caso contestando o mito da democracia racial brasileira:
Enquanto os discursos de intelectuais, políticos burgueses e dos meios de comunicação afirmam veemente “Não somos racistas”, vem à tona um caso escandaloso de como o racismo se reproduz nas formas mais violentas e repugnantes. Todo a falácia da democracia racial cai por terra frente a casos como este – e poderíamos listar tantos outros que ganharam repercussão e depois foram esquecidos, na maioria das vezes marcados pela impunidade.
Juarez Silva Jr., do Blog do Juarez, segue essa linha de pensamento e também contesta o mito de que o Brasil das misturas culturais seja uma democracia racial pacífica:
é verdade… , quando o negro sai do seu “esteriótipo e ‘lugar’ social ” ele “paga o preço”, afinal se ele não tivesse um carro bacana, talvez nada disso tivesse acontecido não é mesmo ???? , cansado de ter problemas por sua situação social não condizer com o “esperado” pela sociedade, a vítima já pensa em vender o “carro problemático” […]Deus me livre de por as rodas do meu vistoso Adventure no estacionamento dessa rede…, BOICOTE JÁ.




No Geledés Instituto da Mulher Negra, muitas pessoas lamentaram essa notícia e encheram a caixa de comentários com ideias de revolta. Por exemplo, Ayraon diz:
Só no Brasil se acha que o racismo é velado. Velado nada! Só não vê quem não quer, ou seja, o povo brasileiro iludido por uma visão deturpada de si mesmo. “Somos mestiços!” diz um, “Não existe preto ou branco” diz outro na hora que esse preto inexistente diz sofrer racismo. Lá fora, quem conhece o Brasil, não consegue entender como esse país pode, por tanto tempo, esconder seu racismo doente. Aqui dentro, vivemos na insanidade coletiva: brancos acham que racismo não existe, que tá na cabeça dos pretos (que, segundo alguns pretos e brancos, não existem), negros dizem que o racismo brasileiro é “velado”; e muitos aceitam essa situação (alguns até dizendo nunca terem sofrido racismo, mesmo sendo alvo dele todo o dia). A história do bahiano me deixa triste , por que ela v ai se repetir, e se repetir, e se repetir sem que façamos nada. Ou iremos fazer algo?
Respondendo à pergunta acima, as mobilizações já começaram. Houve uma manifestação em 22 de agosto e, de acordo com o Instituto Geledés, um protesto maior contra o supermercado acontecerá em 5 de setembro.
A questão racial é muito complexa para países que já foram colônias de Estados desenvolvidos e assombrados pela escravidão; muito preconceito permanece em suas sociedades contemporâneas. O Brasil é um lugar marcado pela escravidão violenta de negros africanos que durou mais de 300 anos e que foi, de certo modo, um braço do quadro econômico durante a era colonial. O racismo sempre esteve ligado à relações sociais no país. Os negros hoje herdaram este estigma social e sofrem racismo em vários aspectos do cotidiano. Mas isso é assunto para ser trabalhado mais detalhadamente em outro post.
Matéria original

terça-feira, 25 de agosto de 2009

O permanente holocausto negro


por: Ricardo Gondim

A formação cultural brasileira tem graves deformações. Desde seus primórdios matriciais, tantos índios como negros pagaram o mais caro preço para que nascesse esta nação que fala português, come farinha de mandioca e tem compulsão por tomar banho.Leio Darcy Ribeiro e quedo-me espantado pelas injustiças toleradas contra Tamoios, Tupinambás, Tupiniquins, Tabajaras e tantas outras etnias que sofreram horrores em nome da “civilização”. Pergunto-me porque a religião não percebia tantas injustiças praticadas em nome do progresso. Por que não houve mais profetas defendendo a justiça com o dedo em riste?
Os negros arcaram com um ônus incalculável. Em “O Povo Brasileiro” – A Formação e o sentido do Brasil” (Cia das Letras) – Darcy Ribeiro descreve os horrores sofridos pelos negros. Que foram esses negros? Nina Rodrigues ressalta que os escravos brasileiros vinham de três grandes grupos: Os da cultura sudanesa, principalmente os Yorubas ou Nagôs; os Peuhuls, vindos do norte da Nigéria, também chamados de Malé; e os negros do grupo congo-angolês, principalmente os Bantus, seqüestrados da região onde hoje fica Angola.Minha leitura de Darcy Ribeiro não serve para suscitar ódios ou ressentimentos históricos. Percebo, porém, que séculos depois, seus descendentes ainda vivem, em larga escala, sub-empregados, amontoados em favelas; continuam a contemplar seus filhos morrendo prematuramente.
No Brasil, as elites insistem na defesa de seus bens. Para elas, o capital vale infinitamente mais que a vida da patuléia. Gente pode ser gasta, contanto que se preservem as “conquistas” patrimoniais. Somos um povo que nasceu insensível aos horrores da escravidão; e fomos um dos últimos a erradicá-la do globo. Nos dias atuais, quem defende o pobre, partilha da mesma sorte dos abolicionistas; sofre um ostracismo semelhante ao de Castro Alves com seu “O navio negreiro”. Ele era considerado um desestabilizador da economia. O Brasil não podia sair abruptamente dos horrores do sistema que considerava seres humanos meras bestas, e por incrível que pareça, séculos depois, ainda não pode.
O relato de Darcy Ribeiro é preciso e chocante:
“ Conscritos nos guetos de escravidão é que os negros brasileiros participam e fazem o Brasil participar da civilização de seu tempo. Não nas formas que a chamada civilização ocidental assume nos núcleos cêntricos, mas como as deformações de uma cultura espúria, que servia a uma sociedade subalterna. Por mais que se forçasse um modelo ideal de europeidade, jamais se alcançou, nem mesmo se aproximou dele, porque pela natureza das coisas, ele é inaplicável para feitorias ultramarinas destinadas a produzir gêneros exóticos de exportação e de valores pecuniários aqui auridos....
A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e da coerção permanente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compreensão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga; depois, para ser outro, quando transfigurado etnicamente na linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível com a preservação do seus interesses.
O espantoso é que os índios como os pretos, postos nesse engenho deculturativo, consigam permanecer humanos. Só o conseguem, porém, mediante um esforço inaudito de auto-reconstrução no fluxo do seu processo de desfazimento. Não têm outra saída, entretanto, uma vez que da condição de escravo só se sai pela porta da morte ou da fuga. Portas estreitas, pelas quais, entretanto, muitos índios e muitos negros saíram; seja pela fuga voluntarista do suicídio, que era muito freqüente, ou da fuga, mais freqüente ainda, que era tão temerária porque quase sempre resultava mortal. Todo negro alentava no peito uma ilusão de fuga, era suficientemente audaz para, tendo uma oportunidade, fugir, sendo por isso supervigiado durante seus sete a dez anos de vida ativa no trabalho. Seu destino era morrer de estafa, que era sua morte natural. Uma vez desgastado, podia ser até alforriado por imprestável, para que o senhor não tivesse que alimentar um negro inútil.
Uma morte prematura numa tentativa de fuga era melhor, quem sabe, que a vida do escravo trazido de tão longe para cair no inferno da existência mais penosa. Sentido que é violentado, sabendo que é explorado, ele resiste como lhe é possível. ‘Deixam de trabalhar bem se não forem convenientemente espancados’, diz um observador alemão, ‘e se desprezássemos a primeira iniqüidade a que os sujeitou, isto é, sua introdução e submissão forçada, devíamos de considerar em grande parte os castigos que lhes impõem os seus senhores’. Aí está a racionalidade do escravismo, tão oposta à condição humana que uma vez instituído só se mantém através de uma vigilância perpétua e da vigilância atroz da punição preventiva.
Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro – mercador africano de escravos – para a praia, onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente, bugigangas. Dali partiam em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o porto e o tumbeiro. Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios e meio o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado, do lado de cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos dentes, pela grossura dos tornozelos e dos punhos, era arrematado. Outro comboio, agora de correntes, o levava à terra adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para viver o destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito horas por dia, todos os dias do ano. No domingo, podia cultivar uma rocinha, devorar faminto a parca e porca ração de bicho com que restaurava sua capacidade de trabalhar no dia seguinte até a exaustão.
Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio – inimigos –, maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar; na forma de mutilação de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sub trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinqüenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso.
Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.
A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ele é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar, e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária”.
Você e eu somos algozes e vítimas. Que Deus tenha misericórdia de nós e que possamos, a partir de nossos escombros históricos, construir um Brasil mais justo para com o negro e com todos seus descendentes.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ação afirmativa para afro-descendentes e democracia no Brasil


Cotas

Por Wania Sant'Anna.

Considerando o quadro de desigualdade racial no Brasil, situação que atinge de forma tão singular e definitiva uma parcela substancial da população - os afro-descendentes - não há dúvida sobre o caráter salutar do debate público sobre o assunto. Isso demonstra o compromisso que devemos ter com as estratégias de fortalecimento da democracia e,igualmente, a necessidade de encontrarmos, oletivamente, as saídas sustentáveis de superação da desigualdade social no país.
Há cerca de três meses atrás, uma publicação editada por essa mesma Universidade,Universidade do Estado do Rio de Janeiro, me perguntou como eu avaliava os projetos de reserva de vagas para os alunos de escolas públicas e afro-descendentes. Hoje, como há três meses atrás, mantendo a mesmíssima opinião. Vejo a iniciativa como a única possibilidade de o Estado brasileiro demonstrar um efetivo interesse em superar as desigualdades raciais existentes no País. No que diz respeito às universidades, vejo como uma medida de caráter singularmente estratégico e de compromisso em superar as desigualdades raciais no Brasil,expressar à sociedade brasileira sua função social e, ao mesmo tempo, reconhecer a importância que as organizações do movimento depositam junto essas universidades ao considerá-las como instituições fundamentais à institucionalização de políticas de ação afirmativa para a população afro-descendente.
Nesse sentido, as resistências até então apresentadas pelas universidades públicas,contrapondo-se a uma legítima demanda de um grupo social como os afro-descendentes, eu diria, comprometem o fortalecimento da democracia no país. Na verdade, é difícil deixar de reconhecer que as organizações do movimento negro têm expressado, em diversos momentos da história do país, o seu compromisso com a instituição de instâncias democráticas e que, na última década, são inúmeros os exemplos de reconhecimento de suas demandas. Assim, as resistências apresentadas pelas universidades públicas deveriam ser analisadas à luz desse contexto.
Na essência, não deveríamos esquecer o fato de a população afro-descendente constituir o grupo de menor acesso aos benefícios sociais na sociedade brasileira, não há como negar o caráter democratizador dessa política. Por outro lado, não deveríamos esquecer o fato de os afro-descendentes pagarem impostos como todos os demais cidadãos e constituir uma falta grave o fato de não ter garantido o direito de usufruir desses serviços de educação pública.
Na minha opinião, seríamos mais conseqüentes em nossas opiniões ao considerarmos a presença da população afro-descendente nos círculos das universidades públicas como uma oportunidade de ampliar as habilidades desse grupo e, conseqüentemente, ampliar a sua contribuição cultural, política, social e econômica ao país. Parece inadequado que as universidades públicas, corpo e docente e dissente, não tenham contato direto e no mesmo nível com outros segmentos de classe da sociedade brasileira. Não parece adequado que as universidades públicas brasileiras sejam constituídas na sua grande parte por segmentos que desconhecem, no contato cotidiano, a realidade cultural, política, econômica e social de um segmento que constitui 45% da população brasileira.
Como afro-descendente, eu diria que há muito a ser trocado, há muito a ser conhecido nessa relação. Há muito a ser afirmado como compromisso de responsabilidade recíproca e fortalecimento dos fundamentos da democracia, da igualdade, da eqüidade e, finalmente, bom senso.
Em artigo especialmente preparado para subsidiar os debates nacionais que precederam a III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, eu mencionava que são raros os momentos dedicados à reflexão sobre as conseqüencias do preconceito e discriminação racial.
Junto ao grande público, a situação mais comum está relacionada à divulgação dos casos de discriminação e ofensas vividos por afro-descendentes em contato direto com pessoas brancas e/ou ditas brancas. Uma vez divulgados, não raro, o sentimento mais generalizado é a indignação.
Classificar o ato como expressão da ignorância e falta de educação também constitui um argumento fartamente presente. Em ambos os casos revela-se o apego ao ideal de democracia racial do povo brasileiro. Afinal, como é mesmo possível encontrar pessoas que não tenham absorvido as regras de convivência requerido ao ideal de democracia racial e, em situações cotidianas, exponham de forma tão inusitada o seu descontentamento e descompromisso com o esse ideal?
"Descupai-vos. Eles não sabem o que dizem!" Seria uma saída, além de baseada em princípios de fé, para fornecer a esses de compreensão limitada do ideal de democracia racial a oportunidade de redimir tanto a conduta quanto os valores interpretativos frente à população afro-descendente. No entanto, isso não é suficiente. Por que? Porque os casos divulgados são apenas a de um grande iceberg. Não é verdade que vivamos sob o manto da democracia racial e aqueles que discriminam são os mais expressivos exemplos da fragilidade do ideal.
Em 1995, quando o Instituto Data-Folha realizou o que denominou "a maior e mais ampla pesquisa sobre preconceito de cor no Brasil", foi introduzida uma pergunta muito simples e direta sobre o assunto: "Na sua opinião, no Brasil os brancos têm preconceito de cor em relação aos negros?" Entre os entrevistados, 89% declaram que sim e, apenas 9% disseram que não. Entre os brancos os percentuais foram exatamente iguais. Entre os "pardos", 88% disseram que sim e 10% disseram que não. Entre os pretos", 91% disseram que sim e 8% disseram que não. Ou seja, o ideal, tanto para os brancos como para os afro-descendentes, é realmente frágil.
Nas três últimas décadas, as organizações do movimento negro têm sido incansáveis na demonstração de fatos que comprovam o tratamento diferenciado dispensado à populaçãoafro-descendente. Neste sentido, essas organizações contribuíram para a destituição da idéia generalizada de que o Brasil "constituía" uma democracia racial. De fato, tomar para si a tarefa de dizer que não vivíamos sob uma democracia racial foi, antes de mais nada, um ato político de grande envergadura. Recusou-se, assim, o ideal de identidade nacional baseado na exclusão de um grupo que, sem sombra de dúvidas, constitui hoje, tanto quanto no passado,recurso humano impossível de ser ignorado para qualquer pessoa preocupada com o destino do país.
Enfim, a despeito do que alguns setores tentam nos fazer crer, a crítica elaborada pelo movimento negro sobre a precariedade em que vive os afro-descendentes e suas propostas de superação desse quadro não significa alimentar divisionismo ou estabelecer privilégios infundados. Ao contrário, as demandas do movimento negro qualificam tanto o debate sobre a pertinência de políticas públicas adequadas às necessidades da população quanto o sentido real das políticas de desenvolvimento para o país.As propostas de estabelecimento de políticas de ação afirmativa voltadas à população afrodescendentes são um bom exemplo. De fato, estamos vivendo um momento particularmente estimulante do debate sobre as questões sociais em nível global, sendo quase impossível mencionar quais análises e perspectivas visando a superação de problemas semelhantes não possuem fundamento adequado para a sua sustentação, aceitação e aplicação em nosso país.
Os acordos e consensos sobre as questões sociais ganharam prestígio internacional e reconhecimento suficientemente abrangente para não se deixarem abalar pela defesa dos particularismos nacionais. As experiências que culminaram em programas de ação têm sido responsáveis por uma elaboração mais coletiva sobre o conceito de desenvolvimento e pela renovação do entendimento sobre igualdade, eqüidade e participação social.
De fato, o que se tem mais claramente posto em xeque são as noções sobre o conceito de igualdade e o princípio das oportunidades iguais. O fundamental é ultrapassar as noções de cidadania política - eleger e ser eleito - para centrar-nos na idéia de cidadania social, ou seja, a prerrogativa de cada pessoa gozar de uma padrão mínimo de bem-estar econômico e seguridade social. É por isso que causa espanto e indignação as acusações de que o estabelecimento de políticas de ação afirmativa seja um privilégio. Afinal tem sido a população afro-descendente a parcela mais afetada no gozo de padrões mínimos de bem-estar econômico e seguridade social. Os mais recentes estudos sobre a situação social e econômica da população afro-descendente tem demonstrado isso de forma incontestável.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

STF recebe parecer favorável ao sistema de cotas raciais em vestibular da Universidade de Brasília

Notícias STF

Quarta-feira, 29 de Julho de 2009
STF recebe parecer favorável ao sistema de cotas raciais em vestibular da Universidade de Brasília

Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria Geral da República (PGR) manifestou-se pelo indeferimento da medida cautelar proposta pelos Democratas (DEM) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186. A ação questiona o sistema de cotas raciais instituído pelas universidades públicas, especificamente pela Universidade de Brasília.

O procurador-geral, Roberto Gurgel, entendeu que a liminar deve ser negada porque ausente a plausibilidade das alegações apresentadas na petição inicial. Ele examinou a questão da "fumaça do bom direito", tendo em vista a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa questionadas.

Gurgel também considerou haver perigo na demora do julgamento, mas de modo inverso. Isso porque ressaltou que a concessão da cautelar “não apenas atingiria um amplo universo de estudantes negros, em sua maioria carentes, privando-os do acesso à universidade, como também geraria graves efeitos sobre as políticas de ação afirmativa de corte racial promovidas por inúmeras outras universidades espalhadas por todo o país”.

Segundo ele, a própria Constituição Federal consagrou expressamente políticas de ação afirmativa “em favor de segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade”. O procurador exemplificou citando que a CF prevê incentivos específicos para proteção da mulher no mercado de trabalho, além de estabelecer reserva percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência.

Roberto Gurgel destacou que “apesar de condenado socialmente, o racismo continua marcante nas relações sociais travadas no Brasil” e, por muitas vezes, ocorre de forma velada e cordial. “Tratar as pessoas como iguais pressupõe muitas vezes favorecer, através de políticas públicas àquelas em situação de maior vulnerabilidade social”, disse.

Para ele, um argumento essencial nessa questão é o da justiça distributiva, uma vez que a exclusão do negro na sociedade justifica medidas que o favoreçam “e que ensejem uma distribuição mais igualitária de bens escassos, como são as vagas em uma universidade pública, visando à formação de uma sociedade mais justa. “Esse argumento não tem em vista o passado, como o da justiça compensatória, mas sim a construção de um futuro mais equitativo”, completou Gurgel, ressaltando que outra justificativa importante para a ação afirmativa no ensino superior é a promoção do pluralismo.

De acordo com o procurador, as políticas de ação afirmativa baseadas em critérios raciais no ensino superior “também são positivas na medida em que quebram estereótipos negativos, que definem a pessoa negra como predestinada a exercer papéis subalternos na sociedade”.

Por fim, revelou que, atualmente, 35 instituições públicas de ensino superior adotam políticas de ação afirmativa para negros, sendo que 32 delas prevêem mecanismo de quotas e outras 3 adotam sistema de pontuação adicional para negros. Além disso, há também 37 universidades públicas com vagas reservadas para indígenas.

EC/IC

PGR dá parecer contrário à ação do Democratas que questiona cotas raciais da UnB

29 de Julho de 2009 - 20h34 - Última modificação em 29 de Julho de 2009 - 20h33


PGR dá parecer contrário à ação do Democratas que questiona cotas raciais da UnB

Marco Antonio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil


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Brasília - Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se pela rejeição da ação ajuizada pelo partido Democratas (DEM) que questiona o sistema de cotas raciais instituído pela Universidade de Brasília (UnB).

Segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a própria Constituição Federal consagrou expressamente as políticas de ação afirmativa “em favor de segmentos sociais em situação de maior vulnerabilidade”. Gurgel ressaltou ainda que o racismo continua marcante nas relações sociais brasileiras. A exclusão do negro na sociedade justificaria as medidas que o favorecem.

“Tratar as pessoas como iguais pressupõe muitas vezes favorecer, através de políticas públicas àquelas em situação de maior vulnerabilidade social”, afirmou Gurgel. “Esse argumento não tem em vista o passado, como o da justiça compensatória, mas sim a construção de um futuro mais equitativo”, acrescentou.

No parecer, Gurgel citou que 35 instituições públicas de ensino superior no Brasil adotam políticas de ação afirmativa para negros, sendo que 32 delas prevêem mecanismo de cotas e outras três adotam sistema de pontuação adicional para negros. Tais políticas no ensino superior, para o procurador, “quebram estereótipos negativos que definem a pessoa negra como predestinada a exercer papéis subalternos na sociedade”.

O procurador-geral ainda ressaltou que a eventual concessão do pedido do DEM pelo STF “atingiria um amplo universo de estudantes negros, em sua maioria carentes, privando-os do acesso à universidade”, além de gerar graves efeitos sobre as políticas de ação afirmativa promovidas por outras universidades.

Na ação ajuizada no último dia 21, os advogados do DEM alegaram que o sistema de cotas raciais da UnB viola diversos preceitos fundamentais fixados pela Constituição de 1988, como a dignidade da pessoa humana, o preconceito de cor e a discriminação, supostamente afetando o próprio combate ao racismo.

Edição: Lílian Beraldo

terça-feira, 28 de julho de 2009

Negro precisa ser brilhante para se destacar no meio acadêmico, diz antropólogo que motivou política de cotas


28/07/2009 - 09h21


Negro precisa ser brilhante para se destacar no meio acadêmico, diz antropólogo que motivou política de cotas


Da Agência Brasil


Em 1998 Arivaldo Lima Alves, estudante do curso de doutorado do Departamento de Antropologia da UnB (Universidade de Brasília), foi reprovado em uma disciplina obrigatória. Em 20 anos daquele programa de pós-graduação foi o primeiro aluno a ser reprovado. Dois anos após a reprovação, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão forçou o departamento a rever a menção e Arivaldo foi aprovado.O episódio, conhecido como "Caso Ari", estimulou o orientador de Arivaldo, o professor José Jorge de Carvalho, a elaborar no ano seguinte a primeira proposta de cotas, embrião do atual sistema que está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF) por ação do partido Democratas.

Onze anos após o episódio, Arivaldo, hoje professor adjunto de Antropologia da Universidade Estadual da Bahia, elogia a política de cotas adotada pela Universidade de Brasília (UnB) em entrevista à Agência Brasil.
Agência Brasil: O que você acha da política de cotas da UnB?
Arivaldo Lima Alves: É o primeiro programa entre as universidades públicas brasileiras que reserva vagas para negros e índios. Só por isso já tem uma grande importância. A partir do momento que a Universidade de Brasília, uma universidade pública federal, decide por adotar esse programa várias outras universidades tomam a mesma iniciativa e têm a universidade como referência. É um programa importante e que veio atender uma demanda social histórica.
ABr: A política de cotas existe há seis anos. Por que ela causa debate até hoje?
Arivaldo: Desde o final do século 19 e início do século 20, a sociedade brasileira, em especial as elites, vem elaborando um projeto de identidade nacional e de povo. Nesse projeto não cabia apontar e afirmar a identidade indígena e, muito menos, a identidade negra. Sabemos que de 1880 a 1930 o Brasil aprovou uma política imigratória que permitiu a absorção de quase 4 milhões de imigrantes brancos europeus. Em 300 anos de escravidão foi mais ou menos esse contingente de africanos que foi trazido forçadamente para o Brasil. Havia um projeto de embranquecimento. Depois disso, pouco a pouco, o país passa a se definir como nação mestiça. Na medida em que é aprovado um programa de reserva de vagas na universidade pública, no mercado de trabalho para negros e índios, esses projetos de nação são contestados. Se é afirmado que não existem apenas brancos e mestiços, mas também negros e índios é preciso levar em consideração demandas específicas. O Brasil aboliu a escravidão, mas não adotou nenhuma política pública para os ex-escravos ou para os descendentes de africanos que nos anos seguintes construíram a nação brasileira, mas não tiveram nenhum retorno material da contribuição que deram. Quando se adota um programa de cotas cria a possibilidade de que um segmento importante da população, cerca de 80% no caso da Bahia, exija acesso aos resultados da produção da riqueza, posições de prestígio, privilégios como participação na universidade brasileira e até postos de representação política. A Bahia nunca teve um governador negro ou Salvador teve um prefeito negro. Isso é um escândalo mas muito sintomático.
ABr: Como você vê o questionamento da política de cotas da UnB feita no STF pelo Democratas?Arivaldo: Não me espanta, vejo com uma certa naturalidade. Se o Democratas, que sempre representou os interesses hegemônicos na sociedade brasileira, fosse a favor da políticas de cotas seria algo estranho. É natural que o partido reaja. Já ouvi senador democrata afirmando que o problema racial não existe entre nós. É um tipo de afirmação que contesta os dados oficiais como os do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] e do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], que mostram que o acesso ao emprego, à educação, condições dignas de educação são diferenciados em relação a brancos e negros.
ABr: Há quem conteste as políticas de cota racial reconhecendo que a desigualdade existe mas é de classe e não de raça ou cor e, portanto, uma política de cota social seria mais objetiva, eficiente e mais justa. Esse argumento é falho?
Arivaldo: Aqueles que discordam das ações afirmativas para negros partem do princípio de que quem defende a política, como eu, acredita que exista a biologia das raças, a natureza das raças. Esse tipo de compreensão já caiu por terra desde a 2ª Guerra Mundial que exterminou judeus, negros, ciganos, homossexuais, ou seja, todos aqueles que eram considerados uma certa degeneração da humanidade. Para nós, a raça existe a partir de uma compreensão do negro socialmente. Defender cotas para negros é também defender vagas para aqueles que socialmente existem como tal. Eu não acredito que exista o negro como biologia, como raça. Mas a história social do negro nesse país, o modo como ele vive, o espaço onde ele está alocado nas grandes cidades, a representação que é feita dele nos meios de comunicação, na literatura ou no livro didático só evidencia que o negro a rigor não está em uma biologia das raças, mas é uma representação uma constituição do mesmo. Então, defender cotas para negros é defender cotas sociais.
ABr: Você acha que na universidade brasileira há racismo?
Arivaldo: Não tenho nenhuma dúvida disso. Basta ver a trajetória de alguns intelectuais negros. O Brasil tem intelectuais negros desde a primeira metade do século 20, mas se formos ver os anais da história poucos tiveram destaque. Um dos poucos que teve destaque foi o geógrafo Milton Santos, mas porque tinha um brilho excepcional e um tipo de trajetória dos negros que se destacam quando têm uma inteligência muito acima da média. Mas só se destaca um ou outro indivíduo não um grupo social como um todo.
ABr: Precisa ser brilhante?
Arivaldo: Mais do que brilhante, acima da média. Entre os brancos se destacam os brilhantes e os que não são tão brilhantes assim, mas que conseguem se adequar a uma certa expectativa ou reproduzir um certo modo de parecer ser brilhante.
ABr: Passados onze anos do episódio "Caso Ari" no Departamento de Antropologia da UnB, como avalia aquela situação?
Arivaldo: Foi uma experiência muito dolorosa que marcou minha trajetória pessoal, acadêmica e profissional. A partir dali eu redefini meu projeto pessoal e de inserção acadêmica. Essa obrigação de redefinir projetos trouxe certo desconforto. De outro ponto de vista, diria que não apenas eu, mas aqueles que estiveram do meu lado fomos vitoriosos. Uma questão que parecia ser de ordem pessoal ia ganhar a dimensão que teve e ia ter como resposta medidas que não beneficiariam diretamente a mim, mas um segmento que há séculos vem sendo abandonado e maltratado. Apesar da dor e dificuldade que eu particularmente tive, foi algo importante. Eu passei a compreender o que é a trajetória intelectual de um negro no Brasil, passei a entender de outra maneira o establishment da universidade pública brasileira e compreender como a ciência, como a antropologia, podia me ajudar a compreender a minha realidade, a minha condição de pesquisador e de cidadão.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Seppir quer audiência com Gilmar Mendes


Brasília - O ministro-interino da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Eloi Ferreira Araújo, disse que vai fazer gestões para provocar uma audiência entre os representantes da Universidade de Brasília (UnB) e o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, para debater a Ação de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Democratas (DEM), contra o sistema de cotas. O reitor em exercício da UnB, João Batista de Souza mandou ofício a Seppir manifestando preocupação com um possível constrangimento dos candidatos aprovados no Vestibular. "Vamos atender o pedido da UnB e procurar o presidente do STF, Gilmar Mendes, assim como já fizemos também contato com o advogado geral da União, José Antonio Dia Toffoli. Vamos somar todos os esforços possíveis para que o Supremo não recepcione o pedido de liminar do partido Democratas (DEM) para suspensão do sistema de cotas na UNB", anunciou Ferreira.No STF O presidente STF pediu à Advocacia Geral da União (AGU) e à Procuradoria Geral da República (PGR) que emitam parecer sobre o caso. Só depois será analisado o pedido de liminar ou, caso esteja encerrado o período de férias forenses, a ação será distribuída à relatoria de um dos ministros, para julgamento no plenário do STF, que retoma suas atividades no próximo dia 3 de agosto. De acordo com o antropólogo José Jorge de Carvalho, professor titular da UnB, o pedido de liminar do DEM deixou perplexos e indignados os alunos cotistas que atualmente cursam a UnB, cerca de 3.200 universitários. "Eles estão articulando uma forma de acolher esses calouros recém aprovados no vestibular, que a partir desta quinta-feira vão se dirigir à universidade para fazer a matrícula", diz José Jorge, que é um dos idealizadores do sistema de cotas na instituição.Com a autoridade de quem trabalha na construção de um banco de dados nacional sobre Inclusão no Ensino Superior - projeto no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - José Jorge contabiliza em 85 o número de instituições públicas que adotam ações afirmativas, sendo que 61 utilizam o critério étnico-racial. "Esses números, acumulados ao longo de oito anos, mostram que a consciência sobre a exclusão racial já está instalada. O que assistimos agora é uma manifestação da elite reacionária que não quer mudanças", conclui José Jorge.Tribunal do RioEnquanto o Secretário Adjunto e ministro interino Ferreira anunciava as gestões junto ao STF, o ministro chefe da Seppir, deputado Edson Santos, que está em férias, visitou na tarde desta quinta-feira (22/07), o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) Luiz Zveiter, com quem se reuniu juntamente com representantes de movimentos sociais favoráveis ao sistema de cotas para negros nas universidades.Um dos assuntos discutidos foi o estabelecimento de convênio entre o Tribunal e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) para viabilizar estágio de alunos cotistas. A intenção é seguir o exemplo da Universidade de Brasília e do Superior Tribunal de Justiça, que em 2005 firmaram acordo de cooperação institucional para oferta de bolsas de estágio aos estudantes admitidos pelo sistema de cotas para negros."Infelizmente temos poucos negros atuando como juízes e promotores. É necessário que o Judiciário e o Ministério Público estejam mais abertos para contemplar a diversidade étnica de nosso país", afirmou o ministro. O ouvidor da SEPPIR, Humberto Adami - que também participou da reunião - informou que foi agendada audiência para a próxima semana com a desembargadora Leila Mariano para detalhar a proposta de convênio. Entre os presentes à visita ao Tribunal estiveram Frei David, diretor Exeuctivo da Educafro, o ex-governador Marcello Alencar, o procurador do Estado Augusto Werneck e Renato Ferreira, pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ. A UERJ, ao lado da Universidade de Brasília (UnB), foi pioneira na adoção de reserva de vagas para negros e alunos egressos de escolas públicas. Por iniciativa do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP), uma liminar suspendeu a lei que institui o sistema de cotas nas universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro. O Tribunal de Justiça do estado, no entanto, tornou a liminar sem efeito para o processo de vestibular deste ano, que já havia sido iniciado. O julgamento do mérito está previsto para acontecer ainda neste semestre.
Fonte: AFROPRESS

terça-feira, 21 de julho de 2009

Ter colegas de quarto de outras raças reduz preconceito no campus

Vestibular e educação

O Portal de Notícias da Globo
18/07/09 - 12h00 - Atualizado em 18/07/09 - 12h00


Diversidade racial também melhora o desempenho de estudantes negros.Mas relacionamento entre os alunos pode ser mais estressante, diz estudo.
Tamar Lewin Do New York Times

Como calouro da Ohio State University e único estudante negro do seu andar, Sam Boakye estava determinado a tirar boas notas – em parte, para que seu colega de quarto branco não tivesse base para visões racistas. "Se você está cercado de brancos, tem algo a provar", disse Boakye, estudante do último ano, nascido em Gana. "Você é motivado a fazer melhor, a desafiar o estereótipo de que pessoas negras não são inteligentes."

Estudos recentes descobriram que ter um colega de quarto de uma raça diferente na faculdade pode diminuir o preconceito, diversificar as amizades e até melhorar o desempenho dos estudantes negros. No entanto, a pesquisa descobriu também que esses relacionamentos são mais estressantes e têm mais tendência a serem rompidos. Com as universidades cada vez mais diversificadas, e colegas de quarto de diferentes raças mais comuns, cientistas sociais os observaram como experimentos de campo naturais capazes de oferecer esclarecimentos sobre as relações raciais. "De uma perspectiva científica, quando esses colegas de quarto são convocados a compartilhar o dormitório, você tem um experimento natural acontecendo, numa área que é muito difícil de testar de forma empírica", disse Thomas E. Trail, estudante de pós-graduação em psicologia da Princeton University, que estuda colegas de quarto de diferentes raças. "Você não poderia iniciar um experimento determinando que pessoas passem vários meses vivendo com alguém de outra raça." Russell H. Fazio, professor de psicologia da Ohio State e estudioso do tema, descobriu um efeito acadêmico intrigante. Ao analisar dados sobre milhares de calouros da universidade que moram em dormitórios, ele descobriu que os estudantes negros que entraram com notas mais altas em testes padronizados tiveram notas melhores se tinham um colega de quarto branco – mesmo se as notas desse colega fossem baixas. A raça do colega de quarto não tinha efeito sobre as notas dos estudantes brancos ou estudantes negros com notas de admissão baixas. Talvez, especulou o estudo, ter um colega de quarto branco ajude academicamente estudantes negros preparados a se adaptar a uma universidade predominantemente branca. Esse mesmo estudo descobriu que colegas de quarto de raça diferentes alocados de forma aleatória se separavam antes do fim do trimestre com o dobro da frequência de colegas de quarto da mesma raça. Pelo fato de que as relações inter-raciais são geralmente problemáticas, disse Fazio, muitos estudantes gostariam de mudar de quarto, mas as diretrizes de alojamento universitário dificultam essa mudança. "Na Indiana University, onde o alojamento não era tão apertado, mais colegas de quarto de raças diferentes se separaram", disse ele. "Aqui na Ohio State, onde havia uma escassez de dormitórios, eles foram orientados a resolver a situação. A coisa mais interessante que descobrimos foi que, se o relacionamento conseguisse continuar por apenas dez semanas, veríamos uma melhora nas atitudes em relação à raça." O estudo de Fazio descobriu que três vezes mais estudantes de raças diferentes alocados aleatoriamente não estavam mais morando juntos ao final do semestre, em comparação com colegas de quarto brancos. Os colegas de raças diferentes passaram menos tempo juntos e não se envolveram tanto com os amigos do colega de quarto, em relação aos colegas brancos. O estudo ainda descobriu que as atitudes racistas preexistentes dos brancos previam quais colegas de quarto se separariam. Vários estudos mostram que morar com um colega de quarto de raça diferente muda as atitudes de um estudante. Um estudo, realizado na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, descobriu uma redução geral no preconceito entre estudantes com colegas de quarto de outra raça – mas aqueles que dividiram o dormitório com asiáticos-americanos, o grupo com maior grau de preconceito, se tornaram ainda mais preconceituosos. Profissionais que observam as relações entre colegas de quarto afirmam que a alocação de estudantes de raças diferentes no mesmo dormitório é uma parte importante da diversidade no campus. "A maioria deles não tem problemas, e acho que isso pode ser mais interessante, pois eles têm mais a aprender um com o outro", disse Phil Badaszewski, diretor do dormitório da Ohio State. "Quando existem conflitos, geralmente trata-se de ideias diferentes sobre a divisão das coisas, ou música, ou limpeza, ou chegar tarde da noite no dormitório – coisas que também podem representar problemas para colegas da mesma raça."

Às vezes, essas disputas mascaram questões raciais implícitas. "Tive um aluno que escolheu se mudar. Ele disse que simplesmente não gostava dos amigos do colega de quarto, pois eram muito barulhentos", disse Badaszewski. "Achei que havia um pouco de racismo ali, mas não trouxe o assunto à tona. É um daqueles temas – raça, religião e política – sobre os quais seus pais recomendam não falar durante um jantar. E, naquele caso, sabia que não melhoraria as coisas." Ocasionalmente, ocorrem problemas raciais explícitos. "Tive uma aluna negra que ouviu comentários racistas no seu quarto", disse Gina Kozlowski, outra diretora do dormitório da Ohio State. "Ela disse que não queria ser transformada em espetáculo, e que não queria ser a pessoa que educaria suas colegas de quarto em relação a raça." Um novo estudo, realizado com estudantes de Princeton, usou questionários diários para monitorar as interações e percepções entre colegas de quarto. "Nas primeiras semanas de relacionamento, as emoções positivas diminuíram para a maioria dos estudantes com colegas de quarto brancos", disse Trail, um dos autores do estudo. "Não que os estudantes brancos começaram a ser maus ou negativos. Em vez disso, houve uma diminuição de comportamentos positivos, como sorrir ou fazer contato visual, que levaram os estudantes das minorias a se sentirem pior." Um estudo com alunos da Duke University descobriu que os estudantes brancos, com menos probabilidade de terem tido amigos próximos de outras raças, eram os que tinham mais tendência a desenvolver mais amizades diversificadas enquanto calouros – em contraponto, alunos negros, que entravam na universidade com mais amizades inter-raciais, tiveram um declínio nesse tipo de amizade no último ano. O estudo encontrou poucas diferenças entre o primeiro e o último ano de faculdade na diversidade das amizades de alunos asiáticos e hispânicos. Calouros com colegas de quarto de outra raça – ou aqueles que moravam sozinhos num dormitório – foram os que tiveram mais tendência a diversificar suas amizades. "Ter diversidade somente nas salas de aula não aumenta as amizades entre as raças", disse Claudia Buchmann, professora associada de sociologia da Ohio State e autora do estudo da Duke. "Porém, a intimidade de compartilhar residências, sem colega de quarto, ou com um colega de quarto de outra raça, leva a amizades mais diversificadas." Estudantes da minoria, num ambiente predominantemente branco, disse Buchmann, geralmente se encasulam ao andar em grupos. Conselheiros negros e brancos da Ohio State disseram ser comum que calouros negros busquem outros alunos negros. "Existem organizações no campus especificamente projetadas para ajudar estudantes das minorias, e muitas vezes esses estudantes tentam encontrar seus amigos através desses grupos", disse Ellen Speicher, conselheira da Ohio State, branca e mãe de um aluno do penúltimo ano. "Faz sentido, num campus predominantemente branco." Boakye, conselheiro há dois anos, disse haver conforto em andar em grupos. "Sendo uma minoria na Ohio State, tentamos permanecer juntos, nos unir como uma comunidade", disse ele. "É diferente para os brancos." "Muitos deles vêm aqui sem muita exposição à diversidade", disse Boakye, "então, quando a primeira experiência deles com um rapaz negro não é tão ruim, eles vão e fazem mais amigos negros. Acho que causei uma boa impressão no meu colega de quarto no primeiro ano. Quando o vi este ano, ele disse, 'Ei, cara. Você não é o único amigo negro que tenho'. Isso é bom".