quinta-feira, 4 de março de 2010

Audiência pública do STF mantém racismo e pobreza no centro do debate

03/03 - 17:06
Priscilla Borges, iG Brasília
Durante quatro horas, na manhã desta quarta-feira, especialistas, gestores, advogados e professores manifestaram argumentos favoráveis e contrários às cotas raciais adotadas por universidades brasileiras. O sistema da Universidade de Brasília, questionado em ação do partido Democratas que tramita no Supremo Tribunal Federal, serviu de pano de fundo para um debate que se estende a outras instituições brasileiras e que servirá para dar subsídios aos ministros do STF para julgar a ação contra a UnB.

Os argumentos apresentados pelos representantes dos dois lados não surpreenderam. A maioria dos designados para falar no primeiro dia da audiência pública convocada pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski, relator do ação do DEM, defendeu as cotas utilizando como justificativa a necessidade de combater a discriminação com a população negra, de resgatar uma dívida histórica com eles e acabar com as desigualdades econômicas e educacionais entre brancos e negros.

Do lado de quem é contra a política de reserva de vagas adotadas por muitas instituições brasileiras, a preocupação com a possibilidade de criar divisões entre a sociedade após a criação do sistema, a dificuldade de distinguir quem é ou não negro e a adoção de cotas para os estudantes mais pobres foram as ideias mais defendidas na audiência.

Roberta Fragoso Kaufmann, advogada voluntária do DEM, ressaltou que não pretende com a ação contra a UnB questionar a constitucionalidade das políticas de ações afirmativas e, sim, o critério escolhido pela universidade: o racial.

Grande parte dos especialistas se concentrou, aliás, em justificar as escolhas dos critérios de seleção de candidatos para as cotas. A vice-procuradora geral da República, Débora Duprat, lembrou que mulheres, indígenas e negros foram, durante muito tempo, “desconsiderados como sujeitos de direito e colocados em espaços de invisibilidade”. Ressaltou que mulheres e pessoas com deficiência conseguiram aprovar políticas de inclusão específicas e, agora, acredita ser necessário fazer o mesmo com os negros.

Maria Paula Dallari Bucci, secretária de Educação Superior do Ministério da Educação, também defendeu as cotas raciais. Ela apresentou dados sobre a realidade de estudantes brancos e negros nas escolas brasileiras. A média de anos de estudo dos alunos negros é de dois anos a menos que os brancos. Além disso, mesmo após a universalização de vagas no ensino fundamental, os números de matrícula dos estudantes revelam que a relação de freqüência entre brancos e negros permanece desigual há 20 anos. A população branca que frequenta a escola é quase o dobro da negra.

“Mesmo com todo o avanço da educação brasileira, a distância entre eles permanece a mesma. Isso demonstra que a simples passagem do tempo não muda a realidade das coisas”, afirmou.

Em entrevista ao iG, a secretária afirmou que a autonomia das universidades deve ser privilegiada nessas discussões. “Espero que a Suprema Corte consolide essa linha de constitucionalidade das cotas já percebida por diferentes instâncias judiciais e que a autonomia das universidades seja prestigiada, deixando a cargo delas definir os vários modelos de implantação do sistema”, avaliou.

Renda familiar

A advogada do DEM nesta ação, Roberta Kaufmann, lembrou, durante os 17 minutos em que discursou, que o partido defende a adoção de outros critérios para as políticas afirmativas. Como a adoção de cotas para os estudantes mais pobres. “Com a política de cotas sociais, atingiremos o desiderato da integração da população negra sem corrermos o risco da racialização do país”, defendeu.

Além de basear o julgamento da ação contra a UnB, que reserva 20% para cotistas, a audiência pública servirá para dar subsídios para a análise de outra ação que questiona o sistema de cotas e tramita no tribunal. O estudante Giovane Pasqualito Fialho ajuizou um recurso contra o sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Lá, 30% das vagas são destinadas aos estudantes de escolas públicas e, desse porcentual, metade fica com os estudantes negros.

O advogado de defesa de Giovane também questionou o critério de distribuição de vagas para egressos de rede pública. Segundo ele, o sistema da UFRGS privilegia estudantes que saem de Colégios Militares e federais, que têm o melhor ensino público do estado e não precisariam do benefício para estar no ensino superior. “Precisamos lembrar também que as políticas de cotas incluem e excluem automaticamente, porque elas deixam de fora estudantes que teriam mérito para estar na universidade”, defendeu.

A audiência pública sobre as cotas continua até sexta-feira. O julgamento da ação ainda não tem data para acontecer. Lewandowski admitiu que, apesar de ser um ano eleitoral, gostaria que os ministros do STF julgassem o mérito da ação ainda este ano.

Audiência no STF que debate ações afirmativas tem início com 13 debatedores, 10 deles a favor Ministro Lewandowski elogia discussão

Ministro Lewandowski elogia discussão

Diego Abreu

Publicação: 04/03/2010 07:00

Começou ontem e vai até amanhã a audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a política de cotas como forma de ingresso no ensino superior. Nela, 42 debatedores favoráveis e contrários ao benefício discutem o tema com o objetivo de apresentar subsídios aos ministros do Supremo que vão julgar uma ação do partido Democratas que contesta a política na Universidade de Brasília (UnB).

Dos 13 debatedores que apresentaram seus argumentos ontem, somente três se posicionaram contra as cotas. Os demais defenderam o modelo adotado pela UnB, que reserva 20% das vagas para estudantes negros.

Relator da ação do DEM, o ministro do STF Ricardo Lewandowski elogiou a qualidade do primeiro dia da audiência pública sobre as ações afirmativas de universidades federais. Para o relator, as impressões registradas pelos 13 especialistas que participaram ontem terão contribuição decisiva sobre o voto dos 11 ministros da Suprema Corte. “Fiquei extremamente bem impressionado com o alto nível e a qualidade dos debates. Tanto aqueles que foram favoráveis quanto aqueles que falaram contra as cotas, apresentaram intervenções muito substantivas, que eu tenho certeza que contribuirão para que os ministros dessa Corte façam um juízo mais abalizado no julgamento”, ressaltou o ministro.

O partido pede que a política racial da UnB seja declarada inconstitucional, sob o argumento de que a instituição das cotas violou preceitos fundamentais fixados pela Constituição de 1988, como a dignidade da pessoa humana. Para o partido, a reserva de vagas para negros atinge o próprio combate ao racismo no país.

Em conjunto com a ação protocolada pelo DEM, o Supremo também vai julgar um recurso extraordinário apresentado por um estudante do Rio Grande do Sul que alega ter sido prejudicado pelo sistema de cotas sociais adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Um dos expositores de ontem, Caetano Cuervo, advogado do aluno gaúcho, disse que seu cliente se classificou pelo critério de mérito no vestibular da UFRGS, mas ficou de fora porque havia cotas para alunos de escolas públicas. “A cota inclui, mas também exclui”, reclamou.

Último a se manifestar na audiência, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), criticou as cotas raciais. Ele defendeu que as políticas universitárias contemplem pessoas de baixa renda, e não negros. O parlamentar foi além ao dizer que no Brasil “pardos e pretos” são classificados como negros quando há o interesse das cotas, mas que os negros de fato não representam a grande maioria dos pobres. “87% dos brasileiros têm sangue negro, mais de 90%, sangue branco, e mais de 60%, sangue indígena. Somos mestiços. Nosso grande problema é a pobreza, que é estrutural. O racismo não é estrutural”, alegou o senador.

O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, observou que a cota racial tem se mostrado um instrumento eficiente. “Vai oferecer uma perspectiva de futuro para uma parcela expressiva de nosso povo, de jovens negros que sonham com a universidade. Cabe ao Estado assegurar isso à população”, afirmou.

quarta-feira, 3 de março de 2010

“As cotas celebram os valores constitucionais”, afirma Flávia Piovesan

Entrevistas
“As cotas celebram os valores constitucionais”, afirma Flávia Piovesan
Qui, 25 de Fevereiro de 2010 18:15



Flávia Piovesan, professora-doutora da PUC-SP na área de direito constitucional e direitos humanos, vai defender a compatibilidade das ações afirmativas com o sistema constitucional brasileiro durante as audiências públicas convocadas pelo Supremo Tribunal Federal (leia mais). Sua exposição está marcada para sexta-feira, 5 de março, às 8h45. Em entrevista ao Observatório, Flávia fala sobre suas expectativas para a audiência e dos principais argumentos que devem ser apresentados .

Leia abaixo ou ouça aqui:



Observatório da Educação – O que as audiências públicas representam para o processo sobre as ações afirmativas no STF?


Flávia Piovesan – É um momento privilegiado de avanço na pauta de direitos humanos no Brasil. Primeiro pela visibilidade que o tema gera. Segundo, pela atenção na mídia, opinião pública, o tema passa a ser incorporado com grande intensidade no debate público nacional. Isso já é um avanço. Essas audiências públicas têm um efeito catalisador. Há um momento pré-audiência, quando os envolvidos lançam estratégias, aprofundam suas reflexões sobre o tema, articulam suas teses. Há o momento da audiência e o momento pós-audiência. Então creio que esse é um tema da mais alta relevância, não só para o fortalecimento dos direitos humanos no Brasil, mas para a densificação democrática. Fico muito feliz que essa pauta possa receber a atenção devida, e que avanços sejam feitos.


Observatório – E qual é a questão que está sendo julgada no Supremo?


Flávia – No fundo, o tema se refere à constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei que institui cotas para afrodescendentes nas universidades. Para essa audiência pública haverá uma longa lista de intervenções daqueles que são a favor e contra as cotas. E, com isso, o Supremo terá maiores elementos para decidir sobre o caso. Lembrando que a decisão do Supremo é a última, é a final, e irradia efeitos erga omnes, como nós dizemos no Direito, para toda a sociedade, efeitos gerais. Com ampla incidência.


Observatório – E quais são os argumentos que fundamentam a ADPF contra as cotas e quais podem ser contrapostos a estes?


Flávia – Os principais argumentos são: 1) violaria o princípio da igualdade, afinal de contas todos são iguais perante a lei; 2) violaria o princípio da meritocracia, porque alunos com menor pontuação seriam vitoriosos em detrimento daqueles que tiveram menor pontuação; 3) violaria o princípio da autonomia universitária e 4) isso inviabilizaria políticas universalistas, para todos, e isso seria uma medida só paliativa.


E os contra-argumentos são: 1) esse princípio da igualdade formal, de que todos são iguais perante a lei, foi formulado no final do século 18, quando houve as modernas declarações de direitos. Ele foi revolucionário a seu tempo, por abolir privilégios, mas hoje se torna necessário porém insuficiente, porque toma a igualdade como um pressuposto, como um dado, e não como um resultado ao qual se pretende chegar. Hoje ganha luzes, ganha realce, a igualdade material, que é a igualdade substantiva, de fato. A igualdade como resultado ao qual se pretende chegar. É justamente essa igualdade que ampara as ações afirmativas, a igualdade com respeito às diferenças, à diversidade. Uma igualdade capaz de romper com a indiferença às diferenças.


2) a violação à meritocracia. Acho muito importante, aí, assinalar que as oportunidades, ou o ponto de partida, são distintos. É a famosa visão de Lyndon Johnson, quando presidente dos Estados Unidos, ao sustentar as ações afirmativas. Vocês calaram os negros e os deixaram acorrentados ao legado da escravidão. Vocês os liberam e querem que tenham as mesmas potencialidades, a mesma autonomia que os brancos? É fundamental então equacionar os pontos de partida e mais do que isso, eu creio, não apenas como uma medida compensatória, que busca aliviar a carga de um passado discriminatório, mas como medida que deve ser tomada não só no prisma retrospectivo, mas prospectivos. Visando à transformação social, visando romper os territórios brancos que são as universidades brasileiras. Tem aí a questão da diversidade, que no prisma acadêmico – eu falo como professora há quase 20 anos – é algo fundamental para o ensino de excelência. Como já atestaram as universidades como a Harvard e outras tantas, o contato com diferentes idiomas, crenças, religiões traz uma multiplicidade de visões que acaba enriquecendo o ser humano. O princípio da meritocracia ficaria afastado e o da autonomia universitária também, porque as cotas celebram os valores constitucionais.


Com relação ao argumento 4) de que elas violariam o princípio das políticas universalistas, eu creio que não há qualquer antagonismo. É perfeitamente possível avançar em políticas de cotas focadas, específicas, mas também fortalecer políticas universalistas, até porque ninguém pode ser contra educação de qualidade para todos, saúde de qualidade, assim por diante. É que isso não basta

Ações afirmativas no STF: audiência vai informar a sociedade brasileira, diz Oscar Vilhena

Entrevistas
Ações afirmativas no STF: audiência vai informar a sociedade brasileira, diz Oscar Vilhena
Qui, 25 de Fevereiro de 2010 18:30



De 3 a 5 de março, 38 pessoas, entre pesquisadores e representantes de organizações da sociedade civil, vão ao Supremo Tribunal Federal apresentar pontos de vista a respeito das ações afirmativas no ensino superior, questionadas por uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pelo Partido Democratas (leia mais aqui).


Oscar Vilhena, diretor da Conectas Direitos Humanos, participará da audiência no dia 4, às 10h30, desenvolvendo o tema “A obrigação do Estado em eliminar as desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros”.


Para Vilhena, a audiência vai fornecer à sociedade brasileira um grau de informação que até hoje ela não tem. “É uma questão muito mistificada, com algumas falácias. Então vai ser um momento de ampliação do debate”, diz.


Oscar Vilhena Vieira é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Oxford University. Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP). Leia abaixo a entrevista concedida ao Observatório da Educação.



A entrevista também está disponível em áudio, ouça aqui.






Observatório da Educação – Qual a importância de uma audiência pública como essa, no Supremo Tribunal Federal?


Oscar Vilhena – As audiências públicas são um recurso novo no sistema de justiça brasileiro, e, dentro do Supremo, mais novo ainda. Temos poucos precedentes [o caso das células-tronco, fetos anencéfalos e outros]. Basicamente, a ideia é a seguinte: para questões muitos importantes, que envolvem não só as partes que estão participando do processo, mas toda a sociedade brasileira, que vão ter uma enorme repercussão, e que não são estritamente jurídicas, o Supremo tem chamado as audiências públicas. Ou seja, ele quer ouvir as outras questões: será que as ações afirmativas estão funcionando? Como têm sido as experiências nas Universidades? Qual é a questão moral que está por trás disso? Qual é o impacto econômico? E o político? Então o Supremo tem utilizado as audiências públicas para coletar um tipo de informação que normalmente não está presente no processo, que é um documento fundamentalmente jurídico.


Observatório – Então é uma oportunidade de a sociedade civil incidir nesse processo?



Vilhena – Sem dúvida nenhuma. A meu ver, o Supremo tem utilizado as audiências para aumentar o seu conhecimento, mas ao mesmo tempo para aumentar a densidade política da decisão que ele vai tomar. Como não é um órgão cujos participantes sejam eleitos, ele quer dar pluralidade, dizer: eu ouvi todos, estou ciente de todas as implicações e, portanto, estou confortável para tomar uma decisão que tem impacto político. Então é, sim, um instrumento de legitimação da decisão a ser tomada pelo Supremo. Nesse sentido, as organizações da sociedade civil não devem ter cerimônia. Elas têm que participar, apresentar seus argumentos de natureza social, política e econômica de maneira tranquila.



Observatório – O que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF, questiona exatamente?


Vilhena – Há o questionamento de uma série de programas de ação afirmativa. Desde o programa criado no Rio de Janeiro, que foi o primeiro, o da UnB e outros. Há um questionamento se isso viola ou não o princípio da igualdade. Essa é a questão jurídica fundamental. Pode um Estado, uma Universidade, criar mecanismos que favoreçam um grupo? Isso é aceitável, constitucionalmente, ou não? O argumento apresentado na ADPF é de que isto não é aceitável, de que a Constituição proíbe qualquer forma de classificação das pessoas no Brasil que leve a raça como critério. É isso que eles estão discutindo: seria inconstitucional porque o critério pelo qual vai se escolher o aluno que ingressa incorpora a dimensão racial e, segundo eles, a Constituição vedaria essa possibilidade.


O argumento que tem sido formulado pelas organizações da sociedade civil, o movimento negro e outros setores, é que isso é uma falácia. A Constituição estabelece a igualdade de duas maneiras. Em primeiro lugar, que todos nós tenhamos que ser tratados de forma igual. Mas ela é muito sensível ao fato de que nós não somos iguais. E, portanto, permite que você compense as desigualdades. Em todo sistema de políticas públicas, você vai ver quem está com maior deficiência e vai apoiar aquele grupo. O sistema constitucional brasileiro e o de todas as democracias permitem isso. O sistema tributário, por exemplo. Cobra-se mais de um, e menos de outros, pois como você trata igualmente pessoas que são desiguais? Tratando desigualmente essas pessoas.


Então esse é o argumento fundamental, a nosso ver, de que a ação afirmativa é uma realização do princípio da igualdade proposto pela Constituição de 1988. Não está em conflito, ao contrário: sem ela, sim, estaríamos em conflito. Agora, do ponto de vista macro, o que está em jogo é se a sociedade brasileira vai reconhecer que, até hoje, distribuiu recursos públicos, especialmente na educação universitária, para apenas um setor da sociedade, e se agora quer abrir isso para os setores que ficaram de fora. A ação afirmativa é uma ferramenta de democratização do acesso de todos os setores da população brasileira a esse recurso tão importante que é a educação universitária.


Observatório – Qual é sua expectativa para a audiência, baseado nas audiências anteriores, e qual o trâmite a partir de agora?



Vilhena – Cada audiência pública é presidida por um juiz relator. Esse juiz relator [Ricardo Lewandowski] nunca presidiu uma audiência pública. Mas a princípio é um processo muito interessante e ordeiro. Porque todas as pessoas que vão falar já estão pré-agendadas, com seus horários específicos. É um processo muito positivo para a democracia brasileira, porque você permite que haja esse debate, que haja a possibilidade que cada um explicite suas posições, mas dentro de um ambiente muito contido e protocolar. Então minha expectativa é que isso vai fornecer à sociedade brasileira um grau de informação que até hoje ela não tem, uma vez que essa é uma questão muito mistificada, com algumas falácias. Então vai ser um momento de ampliação do debate.


E terminada a audiência o Supremo não julga. Ele vai coletar e estudar todas essas informações e só no futuro é que vai convocar uma sessão de julgamento, onde efetivamente o problema será debatido.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Os pecados do Haiti por Eduardo Galeano


A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto

Para apagar as pegadas da participação estado-unidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe: – Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Port-au-Prince, qual é o problema:
– Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilómetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista

Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colónia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção.Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagabundos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável

Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.
O delito da dignidade
Nem sequer Simón Bolíver, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um génio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pénis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

18/Janeiro/2010



quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Universidades apoiam sistema de cotas da UnB no STF



Reitores que promovem ações afirmativas se unem para apresentar relatório aos ministros do Supremo Tribunal FederalDaiane Souza - Da Secretaria de Comunicação da UnB

Reitores das UFBA, da UFSCar, da UFPA e da UnB preparam documento que mostra os resultados positivos das ações afirmativas nas universidades. O relatório será entregue ao Supremo Tribunal Federal até 25 de novembro e vai auxiliar os ministros que julgarão o sistema de cotas da UnB até julho do ano que vem. A reserva de vagas foi questionada pelo partido Democratas (DEM) este ano .
O reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Júnior, diz que essa será a chance de normatizar em todo o país a aplicação das ações afirmativas. "O julgamento no STF servirá para todos os casos. O que for decidido para a UnB, valerá em todas as universidades", afirma o reitor. Antes da decisão, o Supremo vai promover uma série de audiências públicas para debater a questão. As propostas para as discussões devem ser encaminhadas ao STF até 30 de novembro. As audiências começam em março de 2010.
Os reitores acreditam que, se unirem suas experiências, chegarão a um diagnóstico preciso, com resultados positivos das ações. “Estamos muito otimistas, pois o documento mostrará ao STF que a política de cotas não fere a Constituição”, afirma Targino de Araújo Filho, reitor da Universidade Federal de São Carlos. Ele acredita que ainda há dois aspectos polêmicos a serem debatidos: o desempenho dos cotistas e o suposto acirramento do preconceito racial nas universidades.
“Precisamos nos unir e apresentar argumentos sólidos para que o Supremo se mostre favorável a esse modelo de política”, defende Carlos Edilson de Almeida Maneschy, reitor da Universidade Federal do Pará.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) se manifesta favorável à reserva de vagas, embora respeite a autonomia de cada instituição.
Fonte: UnB Agência.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Prorrogado prazo de inscrição para participar da audiência sobre ação afirmativa em universidades públicas

Quarta-feira, 28 de Outubro de 2009

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski decidiu prorrogar por mais um mês o prazo de inscrições para a audiência pública sobre Políticas de Ação Afirmativa de Reserva de Vagas no Ensino Superior. Agora as entidades interessadas em participar da audiência poderão se inscrever até o dia 30 de novembro pelo endereço eletrônico acaoafirmativa@stf.jus.br.

A lista com as entidades inscritas e os pontos que pretendem defender na audiência será divulgada no dia 16 de dezembro deste ano. Até lá os documentos referentes à audiência pública poderão ser encaminhados para a mesma caixa postal da inscrição.

Esta é a quinta vez que Supremo Tribunal Federal abre as portas para o debate com a sociedade sobre questões ligadas ao cotidiano dos brasileiros relacionadas a ações que tramitam na Corte. Na última audiência pública, em abril deste ano, foram ouvidas autoridades dos Três Poderes e 49 especialistas em saúde, representando entidades de diversos segmentos da sociedade.

Processos em discussão

A convocação da audiência partiu do ministro Ricardo Lewandowski, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e do Recurso Extraordinário (RE) 597285 em tramitação na Corte. Ambos os processos discutem a constitucionalidade da reserva de vagas nas universidades públicas, a partir de critérios raciais – as chamadas cotas.

No edital de convocação o ministro Lewandowski esclarece que a audiência pública é importante do ponto de vista jurídico, “uma vez que a interpretação a ser firmada por esta Corte poderá autorizar, ou não, o uso de critérios raciais nos programas de admissão das universidades brasileiras”.
A ADPF 186 questiona atos administrativos utilizados como critérios raciais na Universidade de Brasília (UnB) para a admissão de alunos pelo sistema de reserva de vagas. Segundo a ação ajuizada pelo partido Democratas, há violação dos artigos 1º, 3º, 4º, 5º, 37, 207 e 208 da Constituição Federal.

Já o RE 597285 foi interposto contra acórdão que julgou constitucional o sistema de reserva de vagas (sistema de “cotas”) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS como meio de ingresso no ensino superior. O estudante autor do recurso não foi aprovado no vestibular para o curso de Administração, embora tenha alcançado pontuação maior do que alguns candidatos admitidos no mesmo curso pelo sistema de reserva de vagas.

Veja as demais audiências públicas realizadas pelo Supremo:

Biossegurança - realizada em 20 de abril de 2007 para debater a Lei de Biossegurança (Lei 11105/05). A audiência foi convocada pelo ministro Carlos Ayres Britto, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 ajuizada pela Procuradoria Geral da República. A discussão sobre quando começa a vida do ponto de vista científico, religioso e jurídico foi destaque nessa audiência, que debateu o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas.

Anencefalia - convocada pelo ministro Marco Aurélio e teve início em 28 de agosto de 2008. Especialistas foram convidados para debater a ADPF 54, que trata da interrupção da gravidez quando comprovada a ausência de cérebro no feto. Foram vários dias de debates. De um lado estavam aqueles que defendiam a liberdade de escolha da mulher em prosseguir ou não com a gestação de um feto sem cérebro. De outro estavam aqueles que consideram a vida intocável e não admitem a interrupção da gravidez mesmo no caso de um bebê anencéfalo.

Pneus - a audiência sobre importação de pneus usados foi realizada em 27 de junho de 2008, a pedido da ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 101, a ministra coordenou a audiência que reuniu especialistas em saúde, comércio exterior e meio ambiente. A ação foi ajuizada pela Presidência da República contra a importação por empresas brasileiras de carcaças de pneus para a fabricação de pneus reformados.

Saúde – a última audiência pública realizada no Supremo começou no dia 27 de abril deste ano e reuniu 50 especialistas entre advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do Sistema Único de Saúde. A audiência foi convocada pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes para auxiliar no julgamento dos processos de competência da Presidência do Supremo que versam sobre direito à saúde. Entre eles estão os Agravos Regimentais nas Suspensões de Liminares 47 e 64, nas Suspensões de Tutela Antecipada 36, 185, 211 e 278, e nas Suspensões de Segurança 2361, 2944, 3345 e 3355.

Transmissão ao vivo

A audiência pública será transmitida ao vivo pela TV Justiça e pela Rádio Justiça, conforme o artigo 154 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Demais emissoras interessas em retransmitir o sinal da TV ou da Rádio Justiça deverão encaminhar o pedido à Secretaria de Comunicação Social do STF.